A IDADE… PESA!
Desde
o início da fase de pandemia, temos assistido, com alguma estupefação, à
“partida” de muitas pessoas acomodadas em lares de idosos – agora designados
residências seniores –, onde era suposto estarem em segurança. Cresceu tanto a
indignação, como a preocupação de particulares, instituições e autarquias, que
levou a um acelerar de processos, para proteger e salvar vidas neste grupo
etário de portugueses.
Até
há poucos meses travou-se uma luta, ruidosa, contra e a favor da legalização da
eutanásia… silenciada pela força das circunstâncias atuais, como tantos outros
assuntos considerados extremamente importantes para a sociedade portuguesa e
que, de um momento para o outro, deixaram de o ser. Mas terá, forçosamente, de
ser debatida a situação crítica das pessoas de mais idade, por estarem numa
situação de fragilidade e por serem muito vulneráveis ao contágio, devido ao seu
sistema imunológico – criado naturalmente para defender o corpo contra
“invasores” – apresentar menos defesas, nesta fase da vida. Mais do que isso, terão
de ser encontradas, rapidamente, soluções duradouras e fiáveis, para um futuro
próximo mais tranquilo e risonho.
Há
oito anos atrás, em 2012, encontrava-se a Troika instalada em Portugal e, no
Governo, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Vítor Gaspar, com os cargos mais
importantes e a ser apelidados pela Troika como “alunos exemplares”. Na
terceira avaliação regular, feita pela Troika, afirmava-se em comunicado que
“as políticas estão, em geral, a ser executadas como planeado e o ajustamento
económico está em curso”. Precisamente nesse ano, foi colocada a questão do
direito à proteção da saúde – que, como era de esperar, estava a entrar no “esquecimento”
–, querendo o Governo minimizar custos com a não presença de idosos em
hospitais públicos e racionar medicamentos a doentes com cancro, SIDA e doenças
crónicas, entre outros. Lembra-se o documento produzido pela Associação
Portuguesa de Bioética [APB], assinado em 24 de novembro de 2012, relacionado
com “racionamento em saúde”, tendo como relator Rui Neves. Diz o seguinte, em
determinada parte: “O direito à proteção da saúde é, hoje, considerado como uma
conquista civilizacional, o que implica que a salvaguarda deste direito é uma
responsabilidade da sociedade e das suas instituições democráticas”. A pág. 5,
do mesmo documento, tem um capítulo sobre “Discriminação e Estigmatização”.
Vejamos: “(…) a mudança de paradigma proposta – mudança que preconiza a adoção
de utilitarismo como doutrina base no acesso à saúde – permite a limitação do
fornecimento de cuidados de saúde apenas com base neste critério. Para além de
ser eticamente inaceitável a limitação de cuidados de saúde a uma pessoa apenas
pelo facto de se ser idoso (sendo aliás impossível determinar com clareza a
linha a partir da qual se é idoso) (…) e isso é contrário à doutrina de igual
dignidade de todas as pessoas”. No ponto 3 – “Recomendações” – é referido:
“Assim, face ao exposto, a Associação Portuguesa de Biomédica recomenda:
a) Que
o Ministério da Saúde suspenda a aplicação das recomendações do parecer
64/CNECV/2012, dado que algumas inferências – nomeadamente o racionamento com
base na idade – são eticamente questionáveis e de constitucionalidade duvidosa.
b) (…)
garantindo o exercício de igualdade de acesso e impedindo práticas
discricionárias e arbitrárias por parte dos hospitais públicos portugueses”.
Nos
dias de hoje, é conhecida a espantosa dedicação das equipas médicas e do
pessoal de enfermagem, assim como os demais profissionais da área da saúde que,
apesar de exaustas e saberem que têm diariamente a sua vida em risco, mantêm-se
firmes no seu posto de trabalho, procurando salvar o maior número possível de
vidas humanas. Como não há “mãos a medir”… e impotentes para tratar um número
anormal de pessoas infetadas, particularmente as de idade mais avançada, estas
equipas médicas acabam, inevitavelmente, por “selecionar” quem deve viver e ser
deixado para trás, de certo modo, abandonado à sua sorte. Aliás, replica o
exemplo de outros países civilizados da União Europeia, ainda com maior
tragédia humana. Na prática, tiveram “carta branca” da mesma APB que, embora
desconhecendo-se a existência de protocolo, terá recomendado agora o oposto do
que preconizava em 2012, e que “encapotadamente” está a ser levado a efeito.
Lembremos
alguns factos, estudos e afirmações de há dois anos atrás, para que se faça uma
analogia com a atualidade. Os números oficias da DGS, em 8 de abril de 2020,
apontam para 380 óbitos em Portugal, provocadas pelo novo coronavírus, sendo
maioritariamente pessoas com 65 ou mais anos. Lembra-se que o número de mortes
só em dois dias – precisamente os dias 5 e 6 de agosto de 2018 – foi de cerca
de mil mortes, em que, mais uma vez, a população mais idosa não resistiu às
temperaturas acima de 40º C. Com dados consolidados em dezembro de 2018,
ficou-se a saber que o número de mortes em Portugal, em 2016, foi considerado o
maior de sempre, com 110.573. Apontaram-se causas como envelhecimento da
população e os fenómenos como a onda de calor, resultado das alterações
climáticas. Tendo como fonte o INE – Instituto Nacional de Estatística, em
2019, mas referente a 2017, o número total de óbitos foi de 110.187 e o de
pessoas com 65 ou mais anos foi de 49.477, sendo as doenças respiratórias a
terceira causa de morte – um pouco acima de média europeia. O ano de 2018
voltou a ser considerado aquele com mais mortes em Portugal – 113.000 (números
“redondos”), havendo mais 3% do que em 2017). Sabe-se que foi registado, nos
últimos anos, um pronunciado envelhecimento da população, quando não havia um
evidente aumento do risco de mortalidade.
Disse
a diretora da Pordata – Maria João Valente Rosa – que “o envelhecimento da
população é um facto, veio para ficar e é pelas melhores causas, é porque
conquistámos espaço à morte”. Também a presidente da Sociedade Portuguesa de
Demografia – Maria Filomena Mendes –, disse, ao Diário de Notícias, que é
“inevitável” ter um aumento da mortalidade em idades tardias, já que estamos a
empurrar a idade da morte até cada vez mais tarde, com muita população próxima
dos 100 anos. Há mesmo um estudo do Instituto para as Métricas e Avaliação,
ligado à Universidade de Washington, com publicação em outubro de 2018, que
aponta Portugal no TOP5 dos países com maior esperança média de vida dentro de
20 anos [agora, dentro de 18 anos], passando a esperança de vida de 81 para
84,5 anos. Maria João Valente Rosa ainda preconiza: “temos de decidir se
queremos acordar”, avançando com a ideia que atualmente os serviços de saúde
estão centrados nos hospitais e urgências e defende “cuidados de mais
proximidade, para responder a pessoas cada vez mais com doenças crónicas, com
doenças degenerativas e com menor mobilidade”
Compreende-se
como a idade… pesa, particularmente no Orçamento de Estado! Mas após uma vida
de trabalho, as pessoas merecem viver os muitos anos que ainda têm pela frente,
em segurança, com qualidade e dignidade.
© Jorge Nuno (2020)
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