19/11/2020

Crónicas Leves: Em Dia Internacional do Homem

Em Dia Internacional do Homem

 

Hoje, dia 19 de novembro, é celebrado o Dia Internacional do Homem. Acontece em cerca de 40 países do mundo, incluindo em Portugal apesar de passar despercebido à maioria da população. Na verdade, esta comemoração não consta da lista de eventos apoiados pela Organização das Nações Unidas [ONU], mesmo que o objetivo mais amplo da comemoração seja promover os valores humanitários básicos, algo para que a ONU está vocacionada.

Como há tanta preocupação com a igualdade de género, com o Dia Internacional da Mulher a ser comemorado desde 1909, poder-se-ia dizer que se estranha como durou 90 anos até se criar este dia, especialmente dedicado aos homens.

Eis os cinco pilares do Dia Internacional do Homem[1], que assentam no seguinte:

– Promover papéis masculinos positivos (…) de homens do dia a dia, cujas vidas são decentes e honestas;

– Comemorar as contribuições masculinas positivas para a sociedade, comunidade, vizinhança, família, casamento, guarda de crianças e meio ambiente;

– Focar na saúde e bem-estar do homem: social, mental, emocional, físico e espiritual;

– Destacar a descriminação contra os homens e meninos, nas áreas de serviços sociais, nas atitudes e expetativas sociais e no direito;

– Criar um mundo mais seguro e melhor, onde as pessoas possam sentir-se seguras e crescer para alcançar seu pleno potencial.

Com a habitual visão irónica e diferente, Osho questiona[2]: «(…) Onde se encontra a verdadeira essência da masculinidade? O que significa, às portas de uma nova era, ser-se homem? Será possível repensar a identidade masculina, de forma a torná-la uma parte fundamental da construção de um mundo melhor?» A dado passo diz-nos que «a libertação do homem ainda está por acontecer. Tal como as mulheres, os homens precisam de um grande movimento de libertação – libertação do passado, libertação de uma escravatura de valores que negam a vida e libertação dos condicionalismos sociais impostos à humanidade por todas as religiões durante milhares de anos». Para ele, «a vida pode ser vivida de duas formas: como um cálculo – na ciência, tecnologia, matemática ou economia – ou como um poema – na arte, música, beleza e amor. (…) O homem acaba por se desviar da sua verdadeira natureza e do seu ser original, perdendo a capacidade de ser feliz sem motivo aparente. (…) O homem acaba por perder o acesso às suas capacidades femininas de sensibilidade, delicadeza, amor e intuição, transformando-o em mero robô: racional, eficiente e sem sentimentos. (…) A minha visão do novo homem é a de um rebelde, de um homem que procura o seu ser original e a sua face original. Um homem disposto a tirar todas as máscaras, pretensões e hipocrisias, mostrando ao mundo o que realmente é».

A tarefa interna, preconizada por Osho – que conduzirá a um mundo bem melhor –, será muito facilitada se houver a busca de um sentido por parte do homem e que será a sua alavanca motivacional.

Mas apesar das boas intenções na criação deste Dia Internacional, seria bom pensarmos que estará na hora de cada um deixar de “puxar a brasa à sua sardinha” ou de apenas “cuidar do seu quintalinho”. Homens, mulheres, jovens e crianças, juntos, podem fazer com que aconteçam coisas fantásticas. Exemplo disso, foi o surgimento de um coro com cerca de 3000 pessoas de vários grupos etários, que não se conheciam e a convite, em Haifa – Israel, juntaram-se embalados pelo som de uma música vibrante e cantaram, em três línguas, aquilo que se pode considerar a celebração da coexistência. Eis um “cheirinho” da letra, traduzida para português: «Um dia… / às vezes eu me deito sob a lua / e agradeço a Deus por estar respirando / e então oro e peço / para não me levantar cedo / porque estou aqui por uma razão / às vezes me afogo em lágrimas / mas nunca deixo que isso me derrube / e quando algo negativo me envolve / eu sei que um dia tudo vai mudar / pois toda a minha vida tenho esperado / tenho orado / para as pessoas dizerem: não queremos mais brigar / que não haverá mais guerras / e as nossas crianças irão brincar / um dia… / um dia tudo isso irá mudar / trate todos igualmente / vamos parar com a violência / vamos parar com o ódio / pare!».

Este, numa primeira fase, bem podia ser um hino inspirador do Dia Internacional do Ser Humano, pela aceitação da diferença e coexistência pacífica dos povos, sem necessidade de especificar “homem”, “mulher” ou “criança”, já que haveria alicerces para a criação de um mundo mais seguro e melhor.

William Butler Yeats[3] deixou-nos o belíssimo poema: «Tivesse eu os tecidos bordados dos céus / lavrados com a prata e o ouro da luz / os tecidos azuis e foscos e de breu / que têm a noite, a luz e a meia-luz / estenderia esses tecidos a teus pés; / mas eu, porque sou pobre, apenas tenho sonhos; / são os meus sonhos que eu estendi a teus pés; / sê suave no pisar, que pisas os meus sonhos».

Ousemos conhecermo-nos melhor, manter a máscara facial de segurança por mais uns tempos, e deixar cair agora a outra máscara. Ousemos reconhecer o valor das emoções positivas na promoção da saúde e bem-estar e fazer algo nesse sentido. Ousemos interagir, partilhando esse ânimo e positividade, mesmo que nos imponham distanciamento social. Ousemos apreciar a vida e vivê-la com “descomplicómetro” e de forma simples. Ousemos sonhar, não deixando que os nossos sonhos individuais e/ou coletivos sejam maltratados. Hoje, em vez de “Homem” ou “Ser Humano”, até poderia ser o Dia Internacional de “Qualquer Coisa”… e bastaria um pequeno esforço nas transformações pessoais para nos fazer acreditar que uma nova era está aí.

© Jorge Nuno (2020)



[1] In Wikipédia

[2] In “O Livro do Homem – As Facetas do Masculino”, com excertos de obras selecionadas de Osho (1931-1990).

[3] Poeta irlandês (1865-1939)

05/11/2020

Crónicas Leves: DINHEIRO E COUVES DE BRUXELAS

DINHEIRO E COUVES DE BRUXELAS

 

Os portugueses andam preocupados, naturalmente, com as consequências da segunda vaga da pandemia que se instalou no país e no mundo, e que parece ter vindo para ficar. São empregos que se perdem e, em imensos casos, redução de rendimentos das famílias; dispara o número de pedidos de ajuda alimentar; aumenta sistematicamente o número de infetados, tal como o número de internamentos hospitalares e nas unidades de cuidados intensivos, com os serviços do SNS a ficar em rutura; incerteza quanto ao resultado das estratégias de ziguezague adotadas para o combate à pandemia, com falta de lógica e incoerência à mistura, o que agrava a situação pelo “baixar da guarda”, originada pela falta de credibilidade nas diretrizes e em quem as emite.  

 

Há demasiada incerteza quanto a um futuro próximo. São factos que abalam a estabilidade emocional e física do cidadão. A saúde mental dos portugueses está a ficar preocupante e talvez não se esteja a dar a devida atenção ao assunto, tal como não se dá a outras patologias. Chega-nos a ideia que o foco do governo estará na pandemia e na minimização dos estragos. O Orçamento de Estado para 2021 reflete preocupações sociais, sabendo que haverá inevitavelmente decréscimo da produção, com diminuição do PIB, sendo que os mais recentes indicadores económicos refletem uma estranha ligeira subida das exportações e uma diminuição bem maior das importações, fruto da evidente falta de poder de compra dos portugueses.

 

A Comissão Europeia, consciente das dificuldades que os Estados-membros irão atravessar nos anos que se seguem, fez o que lhe competia – delinear um plano de recuperação económica – mas que esbarra com a burocracia instalada no Parlamento Europeu, própria da regulamentação e das necessárias consultas e negociações com todos governos dos 27 países que compõem a União Europeia. Até chegar à aprovação final e chegada do dinheiro a cada um desses países, serão demasiados longos meses para um cidadão que não tem dinheiro para colocar na mesa algo para comer, nem espera que alguma vez lhe chegue aos bolsos qualquer importância para adquirir, sequer, simples couves de Bruxelas.

Mas esse dinheiro, vindo de Bruxelas, irá chegar ao país. Já foram noticiadas verbas distintas; há quem aponte para mais de 58 mil milhões de euros [MM€], durante dez anos, a um ritmo de cerca de 6 MM€ / ano.  Poderão ser 45 MM€ de fundos europeus, a fundo perdido, e mais de 12 MM€ por empréstimo. Estas importâncias aguçam o apetite e já se aprontam os comilões do costume para chegar ao pote, que vai ser posto ao lume. Com a população adormecida e dócil – quando se fala da perda de direitos, liberdades e garantias, que deviam ser asseguradas pela Constituição da República Portuguesa, esquecida na gaveta – parece mais fácil meter-se a mão na massa.

Devemos estar preocupados com a boa aplicação e controlo do dinheiro europeu, pois espera-se que essas elevadíssimas quantias sirvam para a recuperação económica do país. Lembra-se o Índice de Perceção da Corrupção (CPI) em Portugal, disponível através do relatório anual de 2019, elaborado pela Transparência Internacional e divulgado no site da Transparência e Integridade, onde se lê na capa deste: «É urgente implementar uma verdadeira estratégia nacional contra a corrupção». É que Portugal tem 62 pontos, numa escala de 0 a 100 – fica abaixo da média da Europa Ocidental (66) e abaixo da média da União Europeia (64), ocupando a posição 30 num grupo de 180 países. Nesse relatório também se pode ler: “Os resultados demonstram que os países mais bem classificados no CPI são os que têm políticas de transparência proativas, designadamente no que se refere ao financiamento político, à regulação do lóbi e de conflitos de interesses, e a mecanismos eficientes de consulta pública”. Em Portugal não está a funcionar a entidade da transparência, que era suposto fiscalizar os rendimentos dos políticos e titulares de cargos públicos; não são recrutados os recursos humanos necessários, particularmente técnicos informáticos; nem estará pronta a funcionar a plataforma que irá analisar as declarações apresentadas.

O jornalismo de investigação tem feito um trabalho incómodo, onde todas as semanas surgem novos casos de corrupção, fuga ao fisco, branqueamento de capitais… mas as suspeições fundamentadas ocasionam ruído no momento e acabam por “cair em saco roto”. Recentemente, o Diretor Nacional da Polícia Judiciária (PJ) disse que Portugal não é um país corrupto, mas precisa de mais inspetores. A verdade é que o número de inspetores da PJ é bastante menor do que há uns anos, o que será mais impeditivo de mais ação no combate à corrupção. No papel, será um pacote legislativo com bons princípios, mas sem meios de combate à corrupção, transformando-se num processo de intenções para fazer crer que há interesse no combate à corrupção e enriquecimento ilícito. As estratégias são moldadas em gabinetes, sem consulta prévia. A Comissão de Ética da Assembleia da República não mostra trabalho, quando se aborda a corrupção. Os megaprocessos jurídicos acabam por atrasar demasiado a aplicação da justiça, permitindo que os infratores se passeiem impunemente, continuando a atividade criminosa. A antever a chegada do dinheiro de Bruxelas, regista-se a “coincidência” do afastamento da anterior Procuradora-Geral da República e do Presidente do Tribunal de Contas, não renovando a sua continuidade – que pode ser um mau indicador – e as presidências das Comissões de Coordenação Regional (CCDR) a negociadas entre os dois maiores partidos políticos que mostram, neste caso, convergências de interesses. Lembra-se que as CCDR, como serviços descentralizados da administração central, são «dotadas de autonomia administrativa e financeira, incumbidas de executar medidas proveitosas para o desenvolvimento das respetivas regiões (…)», o que faz pressupor que, entrado o dinheiro, é gerido autonomamente em que, pelo passado recente, deixa dúvidas (ou pior, certezas) quanto a “códigos de conduta”.

 

Escreveu George Orwell: «É preciso uma luta constante para ver aquilo que está mesmo à frente dos nossos olhos». Neste caso, acrescenta-se: e se aquilo não é eticamente bonito de ver, haja coragem, fazendo uso de proatividade, para exigir a criação dos meios adequados, pois espera-se, em prol de todos, a devida aplicação do dinheiro vindo de Bruxelas, e ainda mais pelo empréstimo vir a ser liquidado com dinheiro dos contribuintes.  

  

© Jorge Nuno (2020)