25/12/2015

Não Importa

NÃO IMPORTA

Não me importa a clorofila das árvores
E os fenómenos de fotossíntese,
Apenas o espanto daquele verde.

Nem por que a gravidade me atrai,
Como a puxar-me… querendo prender-me,
Se me liberto em sentido contrário.

Nem do porquê daquele azul do céu,
Do tom âmbar, vermelhão ou rosado,
Se estou grato perante tal esplendor.

Não importa estar numa noite escura
Se a escuridão é equalizador
E muda parâmetros aos meus sentidos.

Não importa que me vejam disperso
Se sei que realinho a consciência,
Atento e sem bluffs sensoriais.

Não importa que me achem cegueta
Quando consigo ver, em meu redor,
Requinte da beleza no banal.

Não importa que me julguem matéria
E, na cova, serei apenas pó,
Se eu sou energia em movimento.

Raios!… Digam então por que me indigno
Quando, nesta caminhada da vida,
Tropeço em tanta estupidez humana!

© Jorge Nuno (2015)        

19/12/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (25) - Eternas Coboiadas

ETERNAS COBOIADAS

Mesmo no final dos anos 60, no salão de baile de uma coletividade nos arredores da cidade de Coimbra, enquanto no palco o grupo musical (de que eu fazia parte) proporcionava uns momentos de descontração, através da dança, reparei que se tinha gerado uma enorme confusão, com empurrões e alguns socos, a que se juntou mais uns quantos “pugilistas” de ocasião, não para separar aqueles dois jovens engalfinhados pelas emoções (leia-se ciúmes) e algum álcool, mas sim para “ajudar à festa”. Com olhares cúmplices e alguns acenos de cabeça, acabámos de imediato aquele slow, para desagrado dos casais que se queriam manter agarradinhos. Quando era suposto aproveitar-se a ocasião para um apelo à ordem na sala, com recurso a um dos microfones, iniciei, sozinho, com a minha irreverência ou falta de sensatez, o tema de abertura de Bonanza – a popular série de televisão, de cowboys, com personagens simpáticas, onde predominava a lei do oeste –. De imediato, acompanharam-me os restantes membros do grupo, mesmo sem qualquer ensaio. Sinceramente, nunca vi uma briga acabar tão rápido! O problema foi a sala em peso ficar a protestar contra os músicos, mas isso resolveu-se bem com… outro slow. Se dúvidas houvesse, ficou provado que a música tem um efeito benéfico no comportamento das pessoas.


Mas lembro-me de muitas outras coboiadas – de outra índole –, e desta vez bem mais recentes, que passo a relatar.

Registo duas ocorrências no parlamento de Taiwan, em 2013, e com a diferença de dois meses, em que houve lutas violentas e imperava a força muscular dos socos e pontapés, denotando conhecimento de artes marciais, sempre com o envolvimento de deputados apoiantes do partido do governo e deputados dos três partidos da oposição. Uma, por causa da votação que daria lugar a um referendo que permitiria a construção da quarta central nuclear na ilha e, outra, ao pretender-se “mexer” numa taxa sobre transações comerciais, aprovada um ano antes.

No Knesset, parlamento israelita, tendo sete partidos com assento parlamentar, entre trabalhistas, sociais-democratas, ultranacionalistas (2) e árabes (3), o ambiente é permanentemente escaldante, embora me tenham dito – quando estive em Jerusalém, no exterior do edifício – que era o lugar mais frio do planeta, por ter “120 [deputados] abaixo do zero”! Motivações não faltam para posições extremadas e imagine-se o que foi, em 2014, o debate até à aprovação da “Lei da Governabilidade”, que como o próprio nome indica, visa contribuir para a governabilidade do país, e exige um maior número de votos para que um partido participe no “jogo político”, ficando também a ideia de haver a intenção de prejudicar as três formações políticas que representam os cidadãos árabes (a menos que se unissem).


No parlamento japonês, em 17 de setembro de 2015, também houve perda de compostura. Os deputados da oposição tentaram impedir, pela força braçal, a aprovação de um projeto de lei que permitiria ao país, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, enviar tropas para conflitos armados no exterior, deixando de ter uma Constituição pacifista. Esta sessão, com o propósito da oposição poder defender o ideal pacifista, foi tudo… menos pacífica.

No Brasil, em 10 de dezembro de 2015, houve “cenas tristes” com deputados, pasme-se, do Conselho de Ética, a gerar muita confusão, com muitos empurrões [há quem diga, alguns tabefes], como forma de defender ou impedir o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, até ao seu julgamento [terá sido apanhado no caso Lava Jato, com indícios de corrupção e lavagem de dinheiro, à data de 20 de agosto de 2015]. Nem valeu o apelo do presidente do Conselho para que os deputados se comportassem com moderação e ainda mais por se estar no Conselho de Ética. Como se isto não bastasse, o deputado Manoel Júnior, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, pelo Rio de Janeiro, terá alegado em defesa de Eduardo Cunha: “Gostaria de saber quem foi a cabeça iluminada que pensou nisso [o afastamento]. Se foi por ter processo no Supremo, mais de 150 parlamentares teriam que ser afastados”. Agora sou eu que digo: “Valeu, meu irmão!”.   

No parlamento do Kosovo, a oposição assegurada pelo partido Vetëvendosje [Autodeterminação] liderou (e lidera) o movimento de protesto para “exigir a renúncia dos acordos sobre a normalização das relações com a Sérvia”, pois querem que a independência unilateral, proclamada em 2008, seja uma realidade aceite pela Sérvia, assim como também exige o fim do acordo, concluído este ano com o Montenegro, acerca das fronteiras de ambos os territórios. Assim, como forma de bloquear os trabalhos do parlamento kosovar, por diversas vezes, deputados da oposição lançaram gás lacrimogéneo, ovos e usaram apitos para impedir o normal funcionamento das sessões. Em 14 de dezembro de 2015, um parlamentar voltou a introduzir e a despoletar uma granada de gás lacrimogéneo no parlamento, forçando, mais uma vez, a interrupção dos trabalhos.

No parlamento da Ucrânia, em 15 de dezembro de 2015, registaram-se cenas de pancadaria entre deputados apoiantes do primeiro-ministro e apoiantes de Poroshenko [presidente da Ucrânia]. O primeiro-ministro foi interrompido por um deputado da oposição, que lhe levou um ramo de flores, agarrou nele e retirou-o à força do púlpito do parlamento. Claro, seguiram-se os habituais empurrões, murros e até puxões de cabelo (de que o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk se livrou… por ser careca!). Sobre este caso fica a ideia: “ Se alguém te oferecer flores, é porque te quer levar ao colo!”.

Bem… todos estes relatos fazem com que os deputados portugueses pareçam uns piegas, copinhos de leite, em que o maior desconforto atual será a azia de alguns, já que parece não haver dúvidas quanto à manifesta indiferença com que ouviram os comentários do Paulo Morais, na qualidade de candidato à presidência da República, a prometer que irá forçar o parlamento a legislar sobre a corrupção e a dizer que o maior antro de corrupção no país é a própria Assembleia da República (AR). Mas se alguma vez as coisas azedarem, der mesmo para o torto, e os deputados acharem por bem resolver as divergências à trolhada, então a AR deverá ter um impecável sistema de som, sem falhas, para que de imediato se possa fazer ecoar o tema da série Bonanza. Pensando melhor, porque há um número apreciável de deputados jovens (nascidos muitos anos depois da série ter terminado), e até para aprenderem como custa engolir mentiras, deverá ser anunciada a banda Xutos e Pontapés, para ficarem com as antenas no ar, e ser passada a canção Só à Estalada, da Ruth Marlene. Será gratificante ver como os ânimos serenam logo!

© Jorge Nuno (2015)
   



05/12/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (24) - Ser Voluntário, Ser Solidário

SER VOLUNTÁRIO, SER SOLIDÁRIO

Esta é a minha 24.ª crónica quinzenal, prestes a cumprir-se um ano de colaboração voluntária com a BIRD Magazine. É curioso o facto de eu não sentir falta de tema, sempre que me coloco em frente ao meu PC, mesmo que parta sem tema, como acontece tantas vezes. Desta vez, poderia: brincar com a desconfortável azia provocada pela mudança nas cadeiras do poder em Portugal, com as tão apregoadas “costas do povo” e com a “inevitabilidade de se aceitar a dura realidade dos factos”; ironizar com os discursos dos líderes dos países mais poluidores do planeta, em plena Cimeira do Clima, em Paris e que, com alguma hipocrisia, tentam demonstrar preocupação com as alterações climáticas e com a dificuldade em encontrar estratégias a adotar, na mesma altura em que têm aviões dos seus países a bombardear, intensamente, poços e refinarias petrolíferas, paióis de munições e outros alvos suscetíveis de causar graves danos ambientais; ou outro tema, bem mais agradável, como realçar e louvar as políticas do reino do Butão, designado como o “reino da felicidade”, que faz deste pequeno país, a leste dos Himalaias, o menos poluente na Terra, a fazer-me lembrar o personagem central do meu romance As Animadas Tertúlias de Um Homem Inquieto – o Filó – com os seus comentários junto de amigos, a propósito do Butão (quando, provavelmente, esse rol de amigos até desconhecia que houvesse um país com este nome): “(…) o rei declarou que a política do reino deve estar ligada ao bem-estar das pessoas e, neste país, parecem levar muito a sério a ‘felicidade interna bruta’, que será tão importante como o PIB, onde a economia e o crescimento económico é apenas uma parte da equação. Cá, fica-se com a ideia que só interessam os números, consolidação de orçamentos, estatísticas, rácios financeiros… as pessoas são completamente esquecidas. Vive-se numa era de capitalismo desumano… sem compaixão (…)”.

Como facilmente se vê, haveria aqui muita matéria-prima para escrever esta crónica e, com exceção das partes mais sérias, acredito que até seria possível fazer soltar uns sorrisos, sempre bem-vindos, para adoçar a vida. Mas não. Intimamente, prefiro abordar o voluntariado e a sua importância na sociedade, mesmo conhecedor do risco de banalização da comemoração “imposta”, com natureza diversa, dia após dia e ao longo de todo o ano, como chamada de atenção para determinado assunto ou problema. É que hoje está a decorrer o Dia Internacional do Voluntário, dia que foi instituído pela ONU em 1985, com o objetivo de “fazer com que, ao redor do mundo, sejam promovidas ações de voluntariado em todas as esferas da sociedade”. Segundo o dicionário – que consulto frequentemente –, a palavra “voluntário” significa: “que se faz de livre vontade” (…) “que procede espontaneamente” (…) “pessoa que se compromete a cumprir determinada tarefa ou função sem ser obrigada a isso”. Para a ONU, “o voluntário é o jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem-estar social, ou outros campos (…)”. Resumidamente, é dito e sabido que “os voluntários são pessoas ou grupos que, sem remuneração, ajudam a melhorar a qualidade de vida do planeta. Dedicam parte da sua vida para ajudar a resolver problemas da sua região, indivíduos que se sensibilizam com as causas sociais e estão dispostos a dar alegria, carinho e amor para quem está a precisar de apenas sorrir”.
Relacionado com o voluntariado, a ONU, no ano 2000, estabeleceu 8 objetivos do milénio:
1 – erradicar a extrema pobreza e a fome;
2 – atingir o ensino básico universal;
3 – promover a igualdade entre sexos e a autonomia das mulheres;
4 – reduzir a mortalidade infantil;
5 – melhorar a saúde materna;
6 -  combater o HIV, a malária e outras doenças;
7 – garantir a sustentabilidade ambiental;
8 – estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.

Recomendava Osho (filósofo oriental): “Use as suas energias para tornar um mundo mais belo, mais poético e mais saudável”. Os voluntários enquadram-se nesta filosofia de vida. É evidente que nem é necessário ter elevadas qualificações, pois qualquer pessoa pode ser voluntária. Numa breve retrospetiva, constatei que mais de metade da minha vida exerci voluntariado no associativismo, particularmente no juvenil, com promoção sistemática de atividades e eventos culturais e desportivos, culminado com as minhas funções docentes numa universidade sénior. Nestas funções, tenho consciência que, com dedicação e criatividade, doei energia e contribuí, com o meu entusiasmo e algumas capacidades, para que pessoas seniores procurassem não falhar aqueles momentos, que valorizavam. Como retorno, tive a sensação de uma experiência gratificante e enriquecedora, devido à influência positiva no contacto humano e na partilha do conhecimento, que fez realçar o valor da amizade e o interesse da socialização, o que me deu uma enorme satisfação pessoal, reforçada pela reconhecida utilidade social de esta atividade.

Li, algures, que “o primeiro passo para a cidadania plena é o compromisso com o voluntariado” e, in Cadernos de Lanzarote [1995], de José Saramago, com a acutilância que lhe era conhecida: “Creio no direito à solidariedade e no dever de ser solidário. Creio que não há nenhuma incompatibilidade entre a firmeza dos valores próprios e o respeito pelos valores alheios. Somos todos feitos da mesma carne sofrente. Mas também creio que ainda nos falta muito para chegarmos a ser verdadeiramente humanos. Se o seremos alguma vez (…)”.

O meu lado humanista e poético leva-me a acreditar nos homens de boa vontade como forma de transformar a sociedade, começando pela ajuda desinteressada ao próximo. O meu “bem-haja” a todos aqueles que dedicam algumas horas semanais com gestos de cidadania ativa, sem estar à espera de algo em troca.

© Jorge Nuno (2015)