POLÉMICAS AOS MOLHOS
“Os que enfrentam a realidade exercem o
livre-arbítrio tomando decisões conscientemente e aceitando a responsabilidade
por elas, reservam a opinião e acreditam na sua capacidade de criar vidas mais
felizes (…)”, é uma frase escrita por Karen Kelly[i].
Alocando a frase à decisão política consciente e realista, e à reserva de
opinião, atrevo-me a firmar que hoje é visível algum deslumbramento coletivo,
com cheirinho de alívio e umas pitadas de felicidade aqui e acolá. Não vejo
nenhum mal nisso, bem pelo contrário. Mas o optimismo de lentes cor-de-rosa, conduz-nos,
quase sempre, ao choque com a realidade e cria algum desconforto, pelo
sentimento de incredulidade ou não aceitação dessa mesma realidade.
Assim se dividem opiniões, fazendo estalar
polémicas e mais polémicas.
– Depois de travadas “batalhas” pela
igualdade de género e a tendência segue o rumo de minimizar a orientação de
sexo, sente-se que foram alcançadas assinaláveis conquistas. Quando a Igreja Católica
entende, finalmente, que os homossexuais devem ser acolhidos por ela própria “com
respeito e delicadeza”, vem agora relembrar e querer operacionalizar o que o
Papa Bento XVI já tinha dito: “A homossexualidade não é conciliável com a
vocação sacerdotal”. Assim, foram traçadas diretrizes para a formação de
sacerdotes, recomendando a que os candidatos sejam sujeitos a testes
psicológicos para evitar o surgimento de “tendências homossexuais”, pedófilos
ou com doenças mentais, impedindo-os de entrar em seminários e ordens religiosas.
Lá dentro, em confissão sigilosa, pode confessar a sua homossexualidade que o
confessor será obrigado a remeter-se ao silêncio;
– Parecia um dado adquirido que a candidatura
da cidade do Porto, para acolher a Agência Europeia do Medicamento, era uma das
melhores posicionadas, entre as cinco favoritas (de um conjunto de 16 cidades
candidatas). O Porto ficou fora da corrida, logo após a primeira votação. Em
cima do acontecimento, o governo português veio anunciar a mudança do Infarmed
de Lisboa para o Porto, criando alguma perplexidade, por ficar a ideia de
tratar-se de uma “compensação”. O primeiro-ministro apressou-se a dizer que a
decisão já estava tomada, tendo em vista aproximar a agência nacional da
agência europeia [na perspetiva de um Porto vencedor]; no entanto teve a
virtude de reconhecer, numa entrevista à Antena 1, que “a comunicação podia ter
sido de outra forma”. Sabe-se que 97% desses trabalhadores já rejeitou mudar-se
para a “capital do norte” e até já se apontam custos muito elevados com a
relocalização, formação especializada, compensações… e a presidente daquela
instituição a dizer que se trata apenas de “intenções”;
–
A Lei n.º 24/2016 veio regular o acesso à gestação de substituição (até há
pouco encarada como “barriga de aluguer”). Os casais, em Portugal, a partir de
01/08/2017 já podem recorrer a este processo e fazer vir criança ao mundo,
mediante determinados pressupostos. Mas… o primeiro caso aprovado é de uma avó que
vai gerar o seu neto! Para a legislação poder ser aprovada e o pedido dos
interessados ser aceite, teve, necessariamente, de haver um parecer favorável
do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e do Conselho Nacional
de Procriação Medicamente Assistida, além de ser ouvida a Ordem dos Médicos (esta,
sem parecer vinculativo). Neste primeiro caso, à mãe do futuro bebé foi-lhe retirado
o seu útero, por razões clínicas. Será utilizado o esperma do pai e um óvulo
retirado da mãe. Em trabalho de laboratório, o embrião será gerado “in vitro” e,
posteriormente, incubado no útero da avó. Está em causa a ética, os riscos de
saúde para a parturiente (em idade pouco usual, sendo sempre uma gravidez de
risco, mesmo que bem seguida medicamente), a legalidade jurídica (acautelada
pela legislação vigente, mas que pode ter outros desfechos se, após o
nascimento, p. e., for suscitada a questão relativa à atribuição da
maternidade, a requerer intervenção de um juiz);
– Com surpresa, assistimos ao fretar de
um total de cerca de 100 camiões-cisterna diários, para transportar água para a
barragem de Fagilde, situada no concelho de Mangualde. Sabe-se que nessa
barragem havia apenas um nível de 10% da sua capacidade, devido à seca extrema.
Sabe-se que existe aí uma ETA, a qual abastece de água potável tanto o próprio
concelho, como os concelhos de Viseu, Nelas e Penalva do Castelo. Sabe-se que
foi pedida a intervenção dos bombeiros, que disponibilizaram cerca de 45 camiões
para essa tarefa. Foi noticiado que também foram fretados camiões-cisterna a
empresas de transporte privado, com um custo de € 700 diários, por viatura.
Sabe-se que o governo disponibilizou € 250.000 para esta megaoperação,
aceitando disponibilizar mais € 250.000, depois de negociações com as Águas de Portugal.
Com estupefação, assistimos à recusa dos bombeiros em transportar água,
alegando que estavam a custear a operação do seu bolso e não tinham recursos
para tal;
– No dia em que o governo de Portugal
completou dois anos, realizou um conselho de ministros em Aveiro, seguido de
uma sessão de perguntas e esclarecimento. As perguntas terão sido feitas por um
painel de cinquenta cidadãos. O ministro do Planeamento e Infraestruturas,
Pedro Marques, disse na véspera do evento: ”(…) quanto às perguntas que vão ser
feitas, à amostra das pessoas que lá estarão ou à natureza dos temas a abordar
pelas pessoas, há de ser da responsabilidade daquela Universidade”. O jornal
“Sol” noticiou que iria ser pago € 36.750 a um grupo de cidadãos que participa
no estudo. Ao que se sabe, foi encomendado um estudo à Universidade de Aveiro e
utilizado um painel representativo da amostra, para questionar o governo.
Alguns desses elementos, entrevistados por vários canais televisivos,
responderam entre “perguntem à empresa” [contratante], outros disseram “€ 200”,
outros “€ 150 + refeição + transportes”, outros referiram “apenas as ajudas de
deslocação”. O professor universitário, coordenador do estudo, afirmou que o
executivo teve “zero influência” nas perguntas formuladas e acrescentou: “É
prática corrente internacional e nacional haver algum tipo de compensação para
deslocações e tempo para quem participa nestes estudos, eu próprio, quando era
estudante no Reino Unido fiz algum dinheiro participando em estudos”.
Há uma frase atribuída a Phineas Taylor
Barnum[ii],
que diz: “Sem promoção, acontece uma coisa terrível: nada!”. Qualquer decisor,
estratega ou governante sabe disso. Mas terrível também é o descuido na forma
como se comunica, para quem quer passar uma mensagem e/ou obter bons resultados;
quando assim é, a polémica é inevitável; e a sensação de desconforto também.
© Jorge Nuno (2017)