25/02/2021

Crónicas de Língua Afiada: ESTRANHO PAÍS... Parte II

 ESTRANHO PAÍS…

 Parte I I

 Estranho país, em que

– se chega a propor a entrega de um botão antipânico aos estrangeiros que permaneçam temporariamente à guarda do SEF[1] nos aeroportos nacionais, para os proteger da agressividade da própria polícia de fronteira;

– agentes da PSP[2] e militares da GNR[3] se “guerreia” sobre as competências territoriais, relacionadas com a escolta de uma carrinha especial usada para transporte de vacinas, com bloqueio da mesma em Évora, quando seguia de Coimbra para o Algarve, onde viria a chegar, com bastante atraso, podendo ver-se essa viatura escoltada por seis carros e duas motos da PSP e duas carrinhas da GNR, e o MAI[4] forçado a pedir a abertura de um “inquérito urgente” ao IGAI[5], para apurar o sucedido;

– quando detinha o maior índice de mortalidade na Europa, surgem equipas médicas do Luxemburgo, França e Alemanha, a revelar solidariedade e a dar um contributo, mesmo que simbólico, no combate à pandemia, e se impeça, pela via administrativa, a colaboração voluntariosa e solidária de médicos reformados portugueses, que se prontificaram para ajudar quem tanto precisa de cuidados médicos, colocando a possibilidade de, não sendo na linha da frente, terem tarefas de apoio aos médicos de família, nem que fosse nos inquéritos epidemiológicos; esta falta de resposta e indiferença, por parte de quem se escuda nas regras, pode ser considerada insultuosa para estes médicos e para os portugueses, e passa um mau sinal a todos aqueles que, em momentos críticos, sentem genuína vontade de ajudar;

– quando se anuncia que se perdeu quase 17 milhões de turistas em Portugal, em 2020, por causa da pandemia, fica-se a saber, ironicamente, que a cidade de Braga foi eleita como o “melhor destino europeu [2021] para visitar”, numa altura em que a maioria dos hotéis estão fechados, tal como a totalidade dos restaurantes, pelas mesmas razões, impossibilitando os turistas de a visitar e ficar com a ideia de que a escolha é acertada;

– forçado pelo presidente da República – que quer que se vendam livros – o Governo elabora e aprova um decreto-lei, definindo que a venda será possível em todos os espaços que têm permissão para estar abertos (como p. e. os hipermercados ou lojas tipo FNAC) e deixa de fora as livrarias, que unicamente estão devotadas à venda de livros, ficando assim impedidas de o fazer, tal como fica a Autoridade da Concorrência impedida de assegurar a aplicação das Leis da Concorrência, que se quer saudável; mais estranho ainda… quando o primeiro-ministro diz ter feito “a vontade ao senhor presidente da República, que o proibiu de proibir”;

– no final do ano de 2019 se apregoava o “milagre económico” do país, em boa verdade, alavancado pelo turismo, e agora, o BdP[6], anuncia que a dívida do Estado, das empresas e das famílias atingiu um recorde de 745.800 ME[7] em 2020, com acréscimo de 24.900 ME no endividamento do setor público, face a 2019, situando-se em 342.500 ME, e do aumento de 2.500 ME no endividamento no setor privado, a atingir o total de 403.300 ME neste setor; prova-se que a atual situação é bem pior do que em 2008, altura em que a Troika regressou a Portugal, para “castigar” quem gasta acima das suas possibilidades;

– após difíceis negociações, foi anunciada a aprovação de verbas significativas, na denominada “bazuca” europeia, e a criação do PRR – Programa de Recuperação e Resiliência (em consulta pública), com cerca de 13.900 ME de subvenção a fundo perdido e 2.700 ME a conceder pela UE[8], a título de empréstimo; lembra-se que tinham sido inscritos, no documento inicial, 4.300 ME como pedido de empréstimo… só que este vai fazer aumentar a dívida soberana do Estado e o próprio OE[9] de 2021 e seguintes, e lembra-se, também, que em 2023 haverá eleições legislativas, caso não sejam antecipadas;

– depois de António Costa Silva ter sido convidado como consultor do Governo, vindo a elaborar o documento “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, que enquadrou o orçamento de 2021, ouviu-se um membro do mesmo Governo – o ministro do Planeamento – numa audição parlamentar, face à entrada do dinheiro da “bazuca” e como estaria ser planeada a sua utilização, esclarecendo que não é possível usar esse dinheiro em apoios de emergência, para mitigar o impacto da pandemia, pois esse dinheiro destina-se a concretizar reformas, logo, fica-se com a ideia que, com pandemia, não é possível Portugal ter um plano de recuperação económica;

– se sabendo da súbita recessão económica, derivada da pandemia, e que quando não se combate a crise, agrava-a, estranha-se que após muitas promessas de investimento, não se verificasse a execução orçamental de 2020, incluindo o orçamento retificativo – a velha história das políticas de cativação – levando os ministérios a reter 6.866 ME, o que inviabilizou que a estratégia económica – a haver – tenha resultado; entretanto, deixou Portugal em 3.º lugar, entre os países da EU que menos gastaram no combate à crise, facto que teve pesados efeitos económicos e sociais, levando ao crescimento das desigualdades e ao aumento da pobreza.

© Jorge Nuno (2021)



[1] Serviço de Estrangeiros e Fronteira

[2] Polícia de Segurança Pública

[3] Guarda Nacional Republicana

[4] Ministério da Administração Interna

[5] Inspeção-geral da Administração Interna

[6] Banco de Portugal

[7] Milhões de euros

[8] União Euopeia

[9] Orçamento de Estado

11/02/2021

Crónicas de Língua Afiada: ESTRANHO PAÍS... Parte I


ESTRANHO PAÍS…

 

Parte I

 

Estranho país, em que

– Se deixa sair os reclusos da prisão, com licença precária, na expetativa que regressem livremente ao fim da mesma e, no principal hospital do norte, se coloca uma pulseira eletrónica antifuga em cada doente, precisamente para impedir a sua fuga do hospital;

– Se criam regras, através de um Plano de Vacinação contra a Covid-19 – com três frases e indicação de grupos prioritários – assim como de outras estratégias direcionadas para o combate à pandemia, e esquece-se de coisas básicas como:

orientações específicas para os serviços do Estado que acolhem estas novas vacinas, levando a que um hospital se veja obrigado a deitar 600 doses de vacinas para lixo, estando estas destinadas aos profissionais de saúde que ali trabalham em condições de grande pressão, insegurança e risco de vida;

do tempo muito reduzido para aplicar as vacinas, que implicaria haver listas ordenadas de suplentes e, não existindo, tem originado a que, abusivamente, se vacinem, na primeira fase, pessoas definidas no Plano como não prioritárias e, por ter contornos de escândalo, levar a que haja um elevado número de demissões em organismos públicos, IPSS e outros, incluindo o próprio coordenador da chamada Task Force;

ter os meios materiais, humanos e logísticos adequados, que possibilite administrar as vacinas em segurança, sendo inadmissível deixar-se, por exemplo: esgotar o stock de seringas, como bem essencial que é, neste caso; ou deixar-se chegar a 50.000 o número de testes epidemiológicos por fazer, por falta de recursos, fazendo aumentar exponencialmente, e de forma descontrolada, as cadeias de transmissão do vírus;  

– uma iniciativa de cidadãos, dinamizada por uma mulher que pretende engravidar através de inseminação artificial do sémen do seu falecido marido, levou a que na Assembleia da República fosse levada a aprovar um projeto de lei favorável a esta petição, com especialistas a invocar ética e mostrarem-se contra o recurso a sémen de cônjuge morto, e o Ministério Público a acenar com a inconstitucionalidade; ignorando os pareceres éticos e legais, os deputados avançaram e aprovaram; o presidente da República fez um pedido de fiscalização preventiva do projeto de lei, tendo o Tribunal Constitucional declarado inconstitucional duas normas de alteração à legislação; agora, os deputados não querem recuar neste processo que possibilita a inseminação post mortem, sem valorizar que o foco deva estar no controlo da resolução de problemas, que atenuem a gravidade da situação do país;

Insolitamente, parlamentares também escolhem a pior altura – o pico da pandemia – para debater e aprovar a lei da eutanásia, que permitirá a morte medicamente assistida, precisamente quando se regista o pico de óbitos desde o início desta tragédia, com os médicos a não ter capacidade e condições para salvar as vidas daqueles que, quando entram num hospital, veem nisso uma oportunidade para sobreviver;

– Um dos maiores epidemiologistas do país sinta necessidade de “desobrigar-se” de fazer apresentações nas reuniões regulares do Infarmed, a “pôr o dedo na ferida”, dizendo que «foi a maior crise de saúde pública em Portugal nos últimos 100 anos (…) tem de haver um passo atrás e assumir que estamos a fazer qualquer coisa que não está bem» e, implicitamente, passar um “atestado de incompetência política” ao governo, por más decisões políticas durante esta fase pandémica, especialmente nos últimos meses, «indo atrás da pandemia, em vez de termos aproveitado os primeiros meses de experiência».

Lembra-se que este país viveu uma tragédia, com o colapso da ponte Hintze Ribeiro (2001), em Entre-os-Rios, e a morte de 59 pessoas, entre passageiros de um autocarro e de três viaturas ligeiras, que caíram ao rio Douro; o ministro do Equipamento Social [Obras Públicas] demitiu-se.

Noutra tragédia no país – incêndio florestal de Pedrógão Grande –, o balanço oficial foi de 66 civis e um bombeiro mortos; a ministra da Administração Interna demitiu-se; resultante da investigação aos incêndios, o Departamento de Investigação e Ação Penal de Leiria deduziu acusação contra o autarca deste concelho, acusando-o de sete crimes de homicídio por negligência e quatro de ofensa à integridade física por negligência.

Perante uma tragédia bem maior, em pandemia, os números oficiais de óbitos em Portugal, associados à Covid-19 [até à data desta crónica], dão-nos conta de 14.457 pessoas que partiram e deixaram enlutadas as suas famílias, fora aqueles que faleceram com outras patologias, por falta de assistência. Tendo a responsável pelo Ministério da Saúde admitido que não se realizaram 1,2 milhões de consultas da especialidade em hospitais, em 2020, assim como se cancelou um elevado número de intervenções cirúrgicas consideradas não urgentes, se reduziram os rastreios e tratamento de doenças do foro concológico, tal como outros exames complementares de diagnósticos, não é de estranhar a manchete de um jornal: «Há mais de 70 anos que Portugal não tinha tantos mortos». Já em janeiro de 2021, os casos de infeção e de óbitos subiram exponencialmente, registando-se: entre os dias 8 e 18, mais de 100 óbitos / dia; entre 19 e 27, mais de 200 óbitos / dia; entre 28 e 31, mais de 300 óbitos / dia. Com estas mortes, será o equivalente a que só no mês de janeiro tivessem “caíram ao rio” uma média de 33 autocarros / dia, ou se tivesse despenhado um avião Boeing 737 / dia, lembrando-se que estes aparelhos têm capacidade máxima de 215 passageiros. Não haverá aqui fundamentos, mais que suficientes, para se enveredar pelo apuramento de responsabilidades políticas e criminais de quem, tendo poder decisório, falhou? É que a situação mais fácil é acusar os portugueses de irresponsabilidade.

© Jorge Nuno (2021)  

27/01/2021

Crónicas de Língua Afiada: ESPADACHINS E DEMOCRACIA

ESPADACHINS E DEMOCRACIA


Rapidamente, em poucas semanas, nos esquecemos que:

– na Ilha da Madeira, com o setor turístico e respetivos trabalhadores a passarem por dificuldades, sem os habituais navios de cruzeiro nem turistas, o fogo de artifício da passagem de ano teve brilho por uns breves sete minutos e um custo estimado de um milhão de euros, literalmente queimando dinheiros públicos da Região Autónoma e causando ajuntamentos públicos indesejados;

– David Neeleman, um dos principais acionistas da TAP, exige uma indemnização multimilionária ao Estado por prejuízos causados pela renacionalização da companhia aérea, a envolver “biliões de euros”, com processo a poder vir a arrastar-se nos tribunais por vários anos, ficando a “dívida” para futuras gerações e outros governantes, mesmo que se tenha dito que a TAP já tinha problemas financeiros antes da crise, que “estamos a gastar tanto com a TAP [com dinheiro público] como gastámos com a saúde[1]” e se preverem “perdas de 6,7 mil milhões de euros até 2025”[2];

– houve fortes suspeitas de favorecimento de consórcios e não respeito pelas áreas protegidas em que se inserem as zonas definidas para eventual exploração do lítio e, agora, algo idêntico no “hidrogénio verde”, a envolver governantes; 

– o hacker Rui Pinto, foi votar, antecipadamente, na candidata que o apoiou (antes, durante e depois de ser preso), tendo publicado o boletim de voto no Twitter, podendo este gesto – ao dar conhecimento do seu sentido de voto – valer-lhe punição «com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias[3]» e, se calhar… já nem nos lembrávamos que ele assumiu a responsabilidade de ter fornecido, à Plataforma para Proteção de Whistleblowers em África, informação pertinente sobre a fortuna de Isabel dos Santos, cujas revelações aceleraram a “queda do império”, assim como já tinha entregue informação comprometedora de jogadores, agentes e clubes de futebol, a um consórcio de jornalistas independentes, que valeu a recuperação de muitos milhões ao fisco de alguns países, mas não em Portugal.

Podendo ser definido “whistleblowers[4]” como «denunciante que fornece informação sobre um perigo, risco, má conduta ou atividade ilegal de pessoas, grupos ou organizações, expõe publicamente essas informações, esperando iniciar um processo de regulação, controvérsia ou mobilização coletiva». Daí que o trabalho de jornalismo, particularmente o de investigação, tenha uma importância estratégica para apuramento da verdade e, esta, costuma ser incómoda. Daí que se vá tentando silenciar os jornalistas. Em Portugal – país tido como democrático –, fomos surpreendidos pelos diretores de vinte órgãos de comunicação social [OCS], que se uniram pela liberdade de imprensa, numa tomada de posição conjunta, em protesto pela atuação do Ministério Público [MP], ocasionada pela vigilância de dois jornalistas, sem autorização de um magistrado. Subscreveram um documento[5], como alerta, pois poderá estar «em curso um subtil ataque à liberdade de imprensa». Na semana anterior, soube-se que, há dois anos, uma procuradora do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, ordenou à PSP que vigiasse um jornalista da revista “Sábado” e um ex-jornalista do “Correio da Manhã”, que viriam a ser alvo de vigilância policial e fotografados na via pública, para saber com quem contactavam no universo dos tribunais. Escreveu este grupo de diretores de OCS: «A liberdade de expressão, a garantia do sigilo profissional e a garantia de independência dos jornalistas (art.º 6.º do Estatuto dos Jornalistas) bem como a proibição de subordinação da dita liberdade de expressão a qualquer tipo ou forma de censura, são pilares fundamentais da constitucionalmente consagrada liberdade de imprensa (art.º 38.º da CRP) (…) sem direito de sigilo das fontes, não há informação livre, e não havendo informação livre, não há democracia. (…) Não é admissível, a nenhum título, a espionagem privada, também não pode ser admissível o MP investigar fora das regras constitucionais e legais vigentes, travestindo de lícito e admissível o que de raiz é ilícito e inadmissível (…) não podendo ser vistos como meios normais de “policiamento” da sociedade, sob pena de se instalar um clima de medo generalizado por parte de todos os cidadãos, em especial dos responsáveis por informar a sociedade (como o são os jornalistas), o que culmina necessariamente no seu amedrontamento, coação, ou mesmo instrumentalização (…) Por isso, é condição de um Estado de Direito Democrático e Livre, uma imprensa livre e independente».

Quem viu “Cyrano de Bergerac” – sendo Gerard Depardieu o principal protagonista –, poderá ter ficado com a ideia de mais um filme de aventuras ou de espadachins, com um tipo que se destaca por ser narigudo. Mas é muito mais do que isso! Encarnado na personagem principal, poeta muito apreciado entre os pares e população, escrevia e difundia as verdades incómodas, até que foi aconselhado por um homem da sua confiança a deixar de ser desagradável com o poder [numa alusão ao regime do Cardeal Richelieu]. Aí, muito empolgado, pergunta: «O que devo fazer? Procurar um protetor poderoso, aceitar ter um senhor? E como uma hera obscura que trepa tronco acima, e faz dele um tutor, lambendo-lhe a casca?! Subir pela astúcia em vez de me elevar pela força? Não, obrigado! Dedicar, como todos fazem, versos aos financeiros? Transformar-me num palhaço, na esperança vil de ver, nos lábios de um ministro, nascer um sorriso que não seja sinistro? Não, obrigado! Almoçar todos os dias um sapo? Ter a barriga gasta de tanto rastejar? Dobrar-me até abaixo para os pés beijar? Não, obrigado! Só encontrar talento em gente frouxa? Ser aterrorizado por certos bisbilhoteiros e dizer sem cessar: “Desde que o meu nome apareça nas páginas do Mercure François!” Calcular, ter medo, empalidecer! Redigir placets, fazer-se apresentar? Não, obrigado. Não, obrigado!». Já sozinho, divagava… «Mas cantar, sonhar…, rir, passear, estar sozinho…, ser livre… ter um olho que sabe olhar bem, uma voz que vibra… Colocar, quando se quer, o chapéu ao contrário, bater-se por isto e por aquilo… o fazer um verso. Trabalhar sem preocupações de glória ou de fortuna e viajar, inclusivamente… até à lua. Triunfante por acaso, conservando o próprio mérito, recusando-se a ser hera parasita, mesmo quando somos o carvalho… ou a tília. Não trepar muito alto, talvez… Mas lá chegar sozinho».

Numa democracia procura-se a verdade e a transparência, esgrimam-se argumentos, não entram estratégias para silenciar vozes incómodas. Nesta democracia em concreto – particularmente por ainda há poucos meses ser considerada um caso de sucesso financeiro e de combate à pandemia –, não se pode aceitar que:

– tenha o maior número de casos, em todo o mundo, de infeção e de óbitos por covid-19, em cada 100.000 habitantes;

– candidatos e partidos políticos cantem vitória, após o mais recente ato eleitoral, quando a adesão do eleitorado representa uns meros 39,5 %. 

© Jorge Nuno (2021)  



[1] Afirmação de Susana Peralta, economista, na TVI24.

[2] Afirmação de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação.

[3] Pelo art.º 342.º - Violação do segredo de escrutínio, do decreto-lei n.º 48/95. 

[4] In Wikipédia.

[5] Em 21-01-2021.

15/01/2021

Crónicas de Língua Afiada: CAUTELA E CALDOS DE GALINHA... Parte II

 

CAUTELA E CALDOS DE GALINHA…

Parte II

 

Com novo confinamento geral, ainda mais condicionados, há quem “desligue”, pelo cansaço e desespero… mas será útil continuarmos despertos para a informação. As manchetes ou breves notas de rodapé, nos diversos meios de comunicação, por vezes surpreendem-nos e conduz-nos a reflexão ou, no mínimo, a um simples questionar.

«Caos no hospital de Setúbal». «Doente tratado no chão[1] [no hospital de São Bernardo, Setúbal]».

«Urgências sem espaço para covid». «Doentes esperam em ambulâncias[2]», no hospital dos Covões, Coimbra, que esgotou a capacidade de resposta.

«Doentes com frio enrolados em cobertores[3]» e «Enfermeiros [da urgência] do hospital de Famalicão fazem vigília», como “grito de ajuda” e dizem-se exaustos. 

«Dois hospitais da região de Lisboa já estão a transferir doentes para o Norte». «A situação dos hospitais é crítica[4]». Ficou-se a saber que houve transferência de doentes covid: dos hospitais Beatriz Ângelo, Loures e Fernando Fonseca, Amadora-Sintra, para os hospitais Santos Silva, Gaia e Santo António, Porto; do hospital Curry Cabral, Lisboa, para o hospital do Algarve e hospital Pêro da Covilhã; do hospital Garcia de Orta, Almada, para o hospital Pedro Hispano, Matosinhos. Entretanto, o hospital de Santa Maria, Lisboa, anunciou que «toda a atividade cirúrgica não urgente fica suspensa[5]».

«Falta de pessoal para inquéritos epidemiológicos – inquéritos são fundamentais para travar contágio[6]».

«Médico saudável morre com patologia no sangue 16 dias após receber a vacina [da Pfizer] contra a covi-19[7]». Trata-se de Gregory Michael, obstetra, de 56 anos, da Florida, EUA, que «desenvolveu uma doença rara que faz com que o corpo destrua as próprias plaquetas, essenciais para ajudar o sangue a coagular».

«Cerca de 140 profissionais de saúde de Viseu recusam vacinas». Soube-se que ao terceiro dia do plano de vacinação, no hospital de São Teotónio, terão sido 140 a dizer “não”, em cerca de 2800 profissionais de saúde.

«Os profissionais de saúde que têm rejeitado a vacina contra a covid-19 são claramente residuais», afirmou[8] Eduardo Pinheiro – secretário de Estado da Mobilidade e coordenador da Região Norte, no âmbito da declaração do estado de emergência, aquando da visita ao hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, tendo dito «desconhecer quaisquer reações adversas à vacina».

«As vacinas Pfizer / BioNTech reduz os casos de covid em cerca de 95% das pessoas imunizadas (…) Efeitos colaterais das vacinas: o que se sabe sobre a segurança dos imunizantes contra a covid-19[9]», num artigo assinado por James Gallagher, repórter de Saúde e Ciência da BBC. Nele, afirma que na medicina há uma importante diferença entre “seguro” e “inofensivo” e também entre “risco” e “arriscado”; e que sempre existe algum tipo de risco envolvido em vacinas.

«Nem tudo são rosas. Efeitos colaterais das vacinas podem ser graves, alertam Especialistas[10]». «As autoridades da saúde pública e os fabricantes de medicamentos têm de alertar a população que as vacinas contra o novo coronavírus podem ter efeitos colaterais graves, ou seja, neste processo “nem tudo são rosas” e as populações têm de se preparar para os resultados desagradáveis[11]». «Nós temos de consciencializar os pacientes que isto não será só um passeio no parque[12]». «Se tiverem [na família] que perder 14 dias de trabalho, é uma grande perda (…) acho que temos de pensar sobre a própria vacina (…) acho que isso deve ser equilibrado com o risco de contrair uma infeção[13]».    

«[Tedros Ghebreyesus – diretor-geral da] OMS aponta o dedo ao relaxamento das medidas[14] [aconselhadas desde o início da pandemia]».

«Sete em dez portugueses em quarentena acusaram sofrimento[15]».

Na sessão governativa preparatória para o novo confinamento geral, Pedro Sisa Vieira – ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital – referiu[16] que «é necessário reduzir contágios, para reduzir contágios é necessário reduzir contactos, para reduzir contactos é preciso que as pessoas restrinjam as suas deslocações ao mínimo indispensáveis».

«Desemprego registado em outubro subiu 134% no Algarve[17]».

«Mais casos covid no Algarve – lares têm falta de recursos humanos[18]», com muitos funcionários em isolamento profilático. «Região com dificuldade em contratar para lares». A delegada regional de Saúde – Ana Cristina Ferreira – apelou aos jovens desempregados para aceitar as vagas existentes e reforçar as equipas nos lares, dizendo que este “é um trabalho muito recompensador”, pelo que “está na hora de dizer sim”, acrescentando, no mesmo discurso, a realidade crua: “é um trabalho muito duro, provavelmente não muito bem pago e esta situação agrava a aceitação do trabalho”.

A esta amálgama de notícias preocupantes, podemos juntar um pouco da sabedoria popular: «Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém».

© Jorge Nuno (2021)



[1] In CMTV, 09-01-2021, 13:00.

[2] In CMTV, 09-01-2021, 13:00.

[3] In TVI – J1, 09-01-2021, 13:00.

[4] In TVI – J1, 09-01-2021, 13:00.

[5] In www-observador.pt, 09-01-2021, 01:05.

[6] In SIC N, 11-01-2021, 16:34.

[7] In www.cmjornal.pt, 08-01-2021, 10:30.

[8] In Expresso, 30-12-2020.

[9] In www.bbc.com / portuguese, 10-12-2020.

[10] In m.noticias.sapo.pt, 24-11-2021, 18:06.

[11] In Executive Digest, 24-11-2020, artigo assinado por Simone Silva.

[12] Sandra Fryhofer, da American Medical Association.

[13] Grace Lee, professora de pediatria da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, Califórnia, EUA.

[14] In TVI J1, 09-01-2021, 13:19.

[15] In SIC N, 09-01-2021, 18:01.

[16] In SIC N, 09-01-2021, 18:06.

[17] In www. Sulinformacao.pt, 11-11-2020, 17:18.

[18] In SIC N, 09-01-2021, 18:19.

 

17/12/2020

Crónicas de Língua Afiada: CAUTELA E CALDOS DE GALINHA...

CAUTELA E CALDOS DE GALINHA…

Parte I

 Provavelmente menos dispersos, pela redução drástica de saídas para o exterior, agora em casa, algo condicionados, talvez fiquemos mais despertos para as notícias. As manchetes ou breves notas de rodapé, nos diversos meios de comunicação, por vezes surpreendem-nos e conduz-nos a reflexão ou, no mínimo, a um simples questionar. Proliferam frases descontextualizadas, notícias falsas e outras, que procuram cativar a atenção, ou desviar atenções. Os meios de comunicação mais credíveis, são-no porque tendem a investigar, previamente, a fonte e veracidade de cada notícia. Como há acontecimentos que surgem que nem “bombas” e causam tal estardalhaço, que esse apuramento da veracidade é tão diminuto que, sem intencionalidade e sem identificar a fonte, apenas a dizem segura ou nem isso. Outros, sabem o que fazer para fidelizar os mais incautos, que os levam a acreditar em tudo, mesmo em notícias distorcidas e que contém apenas um “cheirinho” de conteúdo verdadeiro. Não será por acaso que surgiu, recentemente, a necessidade de criar o programa televisivo “Polígrafo SIC”, numa parceria com “Polígrafo” – um «projeto jornalístico online que tem como principal objetivo apurar a verdade e não a mentira no espaço público».

Há algumas notícias que parecerem incoerentes, inverosímeis e absurdas, e acabam por nos deixar com “a pulga atrás da orelha”. Vejamos esta: «Remédio antipulgas reduz carga viral do coronavírus…». Escalpelizando o artigo[1], fica-se a saber que «pesquisadores da Universidade Monash [pública, em Melbourne] na Austrália, publicaram, em 3 de abril de 2020, um estudo no qual indicam que o uso de um remédio parasitário (usado contra vermes e parasitas, como piolhos, pulgas, sarna e filariose em humanos e animais) diminuíam a quase zero o material viral do novo coronavírus em testes com células cultivadas em laboratório (…). No entanto, ainda não se sabe se o efeito seria o mesmo em animais vivos», já que se tratou de um teste inicial em células. Fica-se a saber também que o «medicamento ainda precisa passar por muitas etapas de testes antes de ser usado em humanos». Esta, envolve uma Universidade credível e refere testes laboratoriais.

A criação de um medicamento pressupõe que, na sua composição, venha a conter substâncias ativas com propriedades curativas, mas também preventivas. A criação de uma vacina tem outras caraterísticas, por resultar de preparação biológica, grande parte das vezes com algumas substâncias tóxicas, para criar imunidade na população e, assim, erradicar determinadas doenças infeciosas.

«Remédio maldito – 10 mil crianças em 46 países nasceram com malformações[2]»; «Plano de vacinação contra covid-19 – conselho de ética nunca foi ouvido pelo Governo[3]»; «Vacina da Sanofi-GSK ineficaz entre mais velhos[4]»; «Paralisia facial afetou quatro voluntários da vacina Pfizer[5]»; «Apenas 61% dos portugueses estão dispostos a receber a vacina contra a covid-19 de imediato[6]»; «Mutação pode condicionar as vacinas? Não é provável… nem impossível[7]»; «Natal sem restrições pode causar mais 1500 mortes em Portugal por covid-19[8]»; «Natal – DGS aconselha ceia sem avós ou celebrada na véspera[9]»; «2020 é o ano com mais mortes em Portugal[10] – há várias décadas [70 anos] que não se registava uma taxa de mortalidade tão elevada»; «692 mil portugueses não realizaram consultas médicas que estavam marcadas durante o tempo de pandemia[11]»; «Aumento da mortalidade nos primeiros meses da pandemia? As ondas de calor não explicam tudo[12]». Vários canais televisivos mostraram a ministra da saúde – Marta Temido – a justificar o elevado número de mortes, com destaque para o envelhecimento da população, onda de calor, efeitos indiretos da pandemia e covid-19. «Mortalidade entre março e novembro – covid-19 só justifica 4,6% das mortes em Portugal[13]?».

Na verdade, esta amálgama de manchetes e de notas de rodapé dá que pensar.  Para se chegar a um medicamento «é preciso um longo, rigoroso e dispendioso processo» e alguns milhares de pessoas afetadas penosamente, para toda a vida. Para se chegar a uma vacina, ainda deverá ser um mais longo, rigoroso e dispendioso processo, já que poderá tornar-se um flagelo, caso os efeitos nefastos secundários comecem a surgir em elevada escala, em todos os continentes.

Relembrando a informação oficial da DGS algo desastrada e também a muita contrainformação existente, há que estar atento, fazer a triagem da informação, aumentar conhecimento e agir em conformidade, para reduzir a propagação deste novo coronavírus. Entretanto, podemos juntar um pouco da sabedoria popular: «Depressa e bem não há quem», «Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém».

© Jorge Nuno (2020)



[1] Artigo de Matheus Moreira, in Folha de São Paulo.

[2] Exclusivo CMTV, em que é dito que para se chegar a um medicamento «é preciso um longo, rigoroso e dispendioso processo».

[3] SIC, 14-12-2020.

[4] TVI24, 12-12-2020.

[5] Artigo de Mariana Branco, in Ciência&Saúde, 11-12-2020, ficando-se a saber que foram quatro casos entre 21.720 voluntários. 

[6] Sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica para o Público e RTP, in Público, 16-12-2020.

[7] In Diário de Notícias, 16-12-2020.

[8] RTPNotícias, 13-12-2020.

[9] In Jornal de Notícias, 16-12-2020.

[10] TVI24, 12-12-2020.

[11] Correio da Manhã, citando Agência Lusa, 29-09-2020.

[12] Artigo de Ana Cristina Pereira, in Público, 02-11-2020, com base no estudo do Grupo de Investigação em Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, que cruza «efeitos das ondas de calor e redução dos cuidados prestados a doentes agudos e crónicos sem Covid-19)».

[13] Polígrafo SIC, 15-12-2020, depois de cruzar dados do INE e da DGS, refere estar correta a percentagem, mas não o número de óbitos apresentados numa notícia divulgada nas redes sociais.