17/12/2020

Crónicas de Língua Afiada: CAUTELA E CALDOS DE GALINHA...

CAUTELA E CALDOS DE GALINHA…

Parte I

 Provavelmente menos dispersos, pela redução drástica de saídas para o exterior, agora em casa, algo condicionados, talvez fiquemos mais despertos para as notícias. As manchetes ou breves notas de rodapé, nos diversos meios de comunicação, por vezes surpreendem-nos e conduz-nos a reflexão ou, no mínimo, a um simples questionar. Proliferam frases descontextualizadas, notícias falsas e outras, que procuram cativar a atenção, ou desviar atenções. Os meios de comunicação mais credíveis, são-no porque tendem a investigar, previamente, a fonte e veracidade de cada notícia. Como há acontecimentos que surgem que nem “bombas” e causam tal estardalhaço, que esse apuramento da veracidade é tão diminuto que, sem intencionalidade e sem identificar a fonte, apenas a dizem segura ou nem isso. Outros, sabem o que fazer para fidelizar os mais incautos, que os levam a acreditar em tudo, mesmo em notícias distorcidas e que contém apenas um “cheirinho” de conteúdo verdadeiro. Não será por acaso que surgiu, recentemente, a necessidade de criar o programa televisivo “Polígrafo SIC”, numa parceria com “Polígrafo” – um «projeto jornalístico online que tem como principal objetivo apurar a verdade e não a mentira no espaço público».

Há algumas notícias que parecerem incoerentes, inverosímeis e absurdas, e acabam por nos deixar com “a pulga atrás da orelha”. Vejamos esta: «Remédio antipulgas reduz carga viral do coronavírus…». Escalpelizando o artigo[1], fica-se a saber que «pesquisadores da Universidade Monash [pública, em Melbourne] na Austrália, publicaram, em 3 de abril de 2020, um estudo no qual indicam que o uso de um remédio parasitário (usado contra vermes e parasitas, como piolhos, pulgas, sarna e filariose em humanos e animais) diminuíam a quase zero o material viral do novo coronavírus em testes com células cultivadas em laboratório (…). No entanto, ainda não se sabe se o efeito seria o mesmo em animais vivos», já que se tratou de um teste inicial em células. Fica-se a saber também que o «medicamento ainda precisa passar por muitas etapas de testes antes de ser usado em humanos». Esta, envolve uma Universidade credível e refere testes laboratoriais.

A criação de um medicamento pressupõe que, na sua composição, venha a conter substâncias ativas com propriedades curativas, mas também preventivas. A criação de uma vacina tem outras caraterísticas, por resultar de preparação biológica, grande parte das vezes com algumas substâncias tóxicas, para criar imunidade na população e, assim, erradicar determinadas doenças infeciosas.

«Remédio maldito – 10 mil crianças em 46 países nasceram com malformações[2]»; «Plano de vacinação contra covid-19 – conselho de ética nunca foi ouvido pelo Governo[3]»; «Vacina da Sanofi-GSK ineficaz entre mais velhos[4]»; «Paralisia facial afetou quatro voluntários da vacina Pfizer[5]»; «Apenas 61% dos portugueses estão dispostos a receber a vacina contra a covid-19 de imediato[6]»; «Mutação pode condicionar as vacinas? Não é provável… nem impossível[7]»; «Natal sem restrições pode causar mais 1500 mortes em Portugal por covid-19[8]»; «Natal – DGS aconselha ceia sem avós ou celebrada na véspera[9]»; «2020 é o ano com mais mortes em Portugal[10] – há várias décadas [70 anos] que não se registava uma taxa de mortalidade tão elevada»; «692 mil portugueses não realizaram consultas médicas que estavam marcadas durante o tempo de pandemia[11]»; «Aumento da mortalidade nos primeiros meses da pandemia? As ondas de calor não explicam tudo[12]». Vários canais televisivos mostraram a ministra da saúde – Marta Temido – a justificar o elevado número de mortes, com destaque para o envelhecimento da população, onda de calor, efeitos indiretos da pandemia e covid-19. «Mortalidade entre março e novembro – covid-19 só justifica 4,6% das mortes em Portugal[13]?».

Na verdade, esta amálgama de manchetes e de notas de rodapé dá que pensar.  Para se chegar a um medicamento «é preciso um longo, rigoroso e dispendioso processo» e alguns milhares de pessoas afetadas penosamente, para toda a vida. Para se chegar a uma vacina, ainda deverá ser um mais longo, rigoroso e dispendioso processo, já que poderá tornar-se um flagelo, caso os efeitos nefastos secundários comecem a surgir em elevada escala, em todos os continentes.

Relembrando a informação oficial da DGS algo desastrada e também a muita contrainformação existente, há que estar atento, fazer a triagem da informação, aumentar conhecimento e agir em conformidade, para reduzir a propagação deste novo coronavírus. Entretanto, podemos juntar um pouco da sabedoria popular: «Depressa e bem não há quem», «Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém».

© Jorge Nuno (2020)



[1] Artigo de Matheus Moreira, in Folha de São Paulo.

[2] Exclusivo CMTV, em que é dito que para se chegar a um medicamento «é preciso um longo, rigoroso e dispendioso processo».

[3] SIC, 14-12-2020.

[4] TVI24, 12-12-2020.

[5] Artigo de Mariana Branco, in Ciência&Saúde, 11-12-2020, ficando-se a saber que foram quatro casos entre 21.720 voluntários. 

[6] Sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica para o Público e RTP, in Público, 16-12-2020.

[7] In Diário de Notícias, 16-12-2020.

[8] RTPNotícias, 13-12-2020.

[9] In Jornal de Notícias, 16-12-2020.

[10] TVI24, 12-12-2020.

[11] Correio da Manhã, citando Agência Lusa, 29-09-2020.

[12] Artigo de Ana Cristina Pereira, in Público, 02-11-2020, com base no estudo do Grupo de Investigação em Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, que cruza «efeitos das ondas de calor e redução dos cuidados prestados a doentes agudos e crónicos sem Covid-19)».

[13] Polígrafo SIC, 15-12-2020, depois de cruzar dados do INE e da DGS, refere estar correta a percentagem, mas não o número de óbitos apresentados numa notícia divulgada nas redes sociais.

03/12/2020

Crónicas de Língua Afiada: HÁ DIAS ASSIM!...

HÁ DIAS ASSIM!...

Portugal deixou de ser o melhor destino turístico do mundo. Empresários da restauração criaram o movimento “Sobreviver a Pão e Água”, alguns entraram em greve de fome e admite-se que 43% das empresas deste setor avança para insolvência, caso não haja apoios imediatos. Está limitada a circulação entre concelhos. Mais de 80% dos hotéis no Algarve estão encerrados. Com atraso no programa Ferrovia 2020, IP – Infraestruturas de Portugal prevê investir[1] 2.175 milhões de euros, até final de 2023, na modernização da via férrea e do material circulante, voltando a falar-se do comboio de alta velocidade, agora entre Lisboa e Porto; o plano de reestruturação da TAP, com previsão de injeção de quantias astronómicas estatais no capital da empresa[2], prevê também a redução de 20 aviões na frota, sendo que a plataforma de sindicatos que representa os trabalhadores da TAP fala na intenção de “reduzir 4600 trabalhadores, num universo de quase 11 mil  trabalhadores em janeiro de 2020” e a direção do Sindicato dos Pilotos da Aviação refere que o plano de reestruturação da TAP implica despedir 500 pilotos[3] e redução de 25% do salário dos que se mantêm. Aumenta o apoio social e, por quebra da economia, agrava-se a colheita de impostos, levando a Comissão Europeia a prever[4] para 2020, uma “contração da economia portuguesa em 9,3%” com “saldo orçamental de -7,3 % [negativo] do PIB” e uma “dívida pública de 135,1% do PIB”. Causa preocupação o aumento exponencial do número de pedidos de apoio ao Banco Alimentar e outras organizações similares… E os dias vão-se repetindo numa toada de “nuvens negras”.

Há dias assim!... Quando pensávamos que, ao menos, iríamos ficar aliviados da sangria do dinheiro dos contribuintes, provocada pelo Novo Banco, após aprovação pela “coligação negativa” no Parlamento da anulação da transferência de mais uma tranche de 476 milhões do Fundo de Resolução, eis que o presidente da República – Marcelo Rebelo de Sousa – e o ministro das Finanças – João Leão – vieram a público afirmar que há indícios de inconstitucionalidade nesta decisão do Parlamento, pelo que a decisão poderá ser revertida. Sem esperar pela decisão do Tribunal Constitucional, o primeiro-ministro – António Costa –, via telefone, sossegou a presidente do Banco Central Europeu – Christine Lagarde – assegurando-lhe que o Estado português vai cumprir o contrato relacionado com o Novo Banco, assumido na venda, mesmo não estando autorizado a injetar dinheiro neste banco, por não constar no OE para 2021.     

Com a economia a ficar de pantanas, parece que a questão dos idosos no país ficou para quinto ou sexto plano, aparentando não ser algo prioritário, pelo menos deduzia-se tal pelo esboço do plano de vacinação à covid-19. A polémica diretora-geral da Saúde – Graça Freitas – apresentou, num encontro de trabalho com peritos, um plano preliminar do organismo que lidera, sendo essa tarefa feita e proposta por um grupo coordenador de vacinação criado para o efeito. Devido a fuga de informação, foi criado um estridente ruído e o caso não era para menos. O jornal Expresso apressou-se a divulgar que “no fim da lista de prioridades está o grupo de pessoas com mais de 65 anos”. Dito assim… choca! E pelos relatos, terá chocado os peritos neste encontro, deixando incrédulos os portugueses mais atentos. Ainda mais por na Alemanha, a chanceler Angela Merkel ter anunciado que os idosos serão a primeira prioridade na vacinação, e a justificação é simples: é a população mais vulnerável, que mais ocupa as camas das enfermarias e unidades de cuidados intensivos, e a que tem maior índice de mortalidade. Em Portugal, o Ministério da Saúde não tardou a emitir um comunicado, não desmentindo, mas esclarecendo que “as informações vindas a público” relacionadas com o plano de vacinação “estão incluídas num documento meramente técnico e são parcelares e desatualizadas”, referindo também que “a estratégia de vacinação contra a covid-19, em preparação pela Direção-Geral de Saúde, ainda não foi discutida com o Ministério da Saúde nem validada politicamente”. Também a estação de televisão SIC anunciou que “as pessoas com mais de 75 anos ficarão de fora do plano de vacinação, já que as farmacêuticas [envolvidas no desenvolvimento e fabrico das vacinas] e a Agência Europeia do Medicamento não apresentaram provas suficientes sobre a eficácia da vacina neste grupo etário”. O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde – António Lacerda Sales –, numa conferência de imprensa em Beja, não perdeu tempo a afirmar que “os idosos, como os doentes com comorbilidade, serão uma prioridade para este Governo, aliás como tem sido uma prática sempre deste Governo priorizar as faixas mais vulneráveis”; adiantou também que “há determinadas vacinas” que, devido a critérios técnicos, têm “uma indicação para determinadas faixas etárias”, mas essa “é a única limitação, porque, “para este Governo não há nenhuma limitação de idade”. O presidente da República afirmou que “não há decisão nenhuma, muito menos há uma decisão que seja uma decisão tonta (…) é de presumir que as pessoas responsáveis não tenham ideias tontas”. O primeiro ministro também se apressou a afirmar que os cidadãos com idades superiores a 75 anos, sem doenças graves, poderão vir a ter acesso prioritário a essas vacinas; escreveu mesmo no Twitter: “Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade (…) há critérios técnicos que nunca poderão ser aceites pelos responsáveis políticos”, ficando a ideia que esta onda de indignação terá sido serenada logo à nascença. Há dias assim!... E a responsável da DGS continua algo desastrada na comunicação, tal como quando referiu, em 22 de março de 2020, que “as máscaras dão uma falsa sensação de segurança”.

Dois estudos da DECO[5], realizados junto de 2250 inquiridos, contrariaram algumas das afirmações do Secretário de Estado Adjunto da Saúde, pois alertam para a deterioração da qualidade de vida de idosos em lares, com elevado de “tempo de espera por vagas, valor incomportável dos lares para idosos e deterioração da sua qualidade de vida e saúde durante a pandemia de covid-19 (…) expôs, de forma inquestionável as debilidades dos atuais modelos”, abordando a “desproteção a que está votada uma parte vulnerável e crescente da população portuguesa” e apela à “revisão do modelo estrutural das instituições”.

Há dias assim!... Num arejar do ar, a aliviar as tais “nuvens negras”, surge a imagem, na RTP, de Ursula von der Leyer, presidente da Comissão Europeia, numa sua entrevista a esta estação televisiva, onde afirma: “Tenho boas notícias para Portugal, porque a partir de amanhã [1 de dezembro de 2020] Portugal irá receber a primeira tranche do programa de auxílio que disponibilizará 3 mil milhões de euros. E o programa de auxílio apoia empresas e trabalhadores. Diz às empresas para não porem os empregados em layoff, mesmo que não haja trabalho suficiente a fazer, mantenham-nas nas empresas. Nós iremos subsidiar os salários (…) para que as empresas fiáveis [viáveis?] se mantenham em operação e quando a crise terminar e o mercado melhorar, poderão aceitar as encomendas, porque têm o pessoal habilitado nas empresas. É para isso que servem os 3 mil milhões do programa de auxílio”. Não foi referido, mas esta tranche é a fundo perdido. Mais tranches virão, mas com pagamento de juros, a pagar pelo contribuinte, aumentando ainda mais a elevada dívida do Estado, que atingiu, por agora, o recorde de 334,4 milhões de euros[6]. Resta a esperança que estas tranches de auxílio sejam aplicadas corretamente, com supervisão com “malha de pente fino”, para que estimulem a retoma da economia e criem condições à melhoria efetiva das condições de vida dos cidadãos.

© Jorge Nuno (2020)

Obs.: Crónica publicada hoje na BIRD Magazine



[1] Com verbas canalizadas do Orçamento de Estado.

[2] O Jornal Económico, em 22 de maio de 2020, com base numa fonte, afirmava a necessidade de injetar capital na ordem dos mil milhões de euros (e em julho de 2020 apontava-se 1,200 mil milhões de euros)

[3] Informação divulgada pela Agência Lusa, em 28 de novembro de 2020.

[4] Dados mais recentes, divulgados pela Agência Lusa, em 5 de novembro de 2020.

[5] Noticiado pela Agência Lusa, em 26 de novembro de 2020.

[6] Valor referente ao setor público, publicado no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, em 20 de outubro de 2020.