16/01/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (27) - A Pedra de Amolar da Vida

A PEDRA DE AMOLAR DA VIDA

Em cada mudança de ano repetem-se sorrisos, abraços, um extremar de simpatias com amigos reais e virtuais, e a manutenção de alguns rituais apelidados de tradições. Entre estes, estão as doze passas de uva e a manifestação de desejos ocultos (ou não), na esperança milagrosa, para não lhe chamar ilusão, que “agora sim, neste novo ano, se realizem…” para, tendencialmente, daí a poucos dias se entrar, novamente, nas rotinas habituais. Afinal, já passaram quinze dias e quanto à dieta, para reduzir o peso… nada; é aquela atividade física salutar em grupo, arrastada (propositadamente) para ter início logo após a passagem de ano, a pretexto de se aproveitar para queimar calorias… ficando agora a desculpa de não haver tempo, sequer, para se ir fazer a inscrição no ginásio; ficou a vontade de mudar de emprego, por falta de realização pessoal e por já não se suportar mais a arrogância do chefe, assim como ficou o C.V. por enviar para outras empresas… por não se ser capaz de ousar e preferir “não trocar o certo pelo duvidoso”; quanto ao deixar de fumar… apenas se acaba de mudar de marca de tabaco, já que a Tabaqueira resolveu, para já, extinguir quatro marcas, a juntar a algumas dezenas já descontinuadas, prevendo-se alterações a curto prazo no SG Gigante e SG Filtro, assim como novo aumento no preço do tabaco (que poderia ser tão ou mais encorajador para deixar de fumar do que a genuína vontade intrínseca).

Parece evidente não haver fórmulas mágicas, mas creio que esse alcançar dos objetivos depende da “fibra” de cada um: há pessoas que definem os seus objetivos e tudo fazem para os alcançar, com imenso esforço pessoal; outras manifestam uma ténue vontade, na expetativa que as coisas aconteçam, e ficam o resto do tempo a queixar-se, ou a desculpar-se, pelo facto de tudo ter ficado na mesma, ou pior; encontram-se, também, algumas excepções de quem consegue muito, parecendo que tudo lhe cai do céu, com um dispêndio mínimo de esforço, seja com recurso a deploráveis atropelos indiscriminados, à frequente exibição do emblema partidário ou apenas deixar fluir, e esperar que as coisas, simplesmente, venham a acontecer (sem conotação com passividade). Essa “fibra” – que se traduz no perfil de cada um, e que varia, naturalmente, de pessoa para pessoa – ficou muito bem expressa por George Bernard Shaw (e que me serve de guia há muitos anos): “A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos”.

Sempre me vi um lutador e ao fim de mais de 60 anos questiono-me se estive certo, quando me via, em limite de esforço, a “remar contra a maré”, mesmo com bastantes vezes a obter sucesso, o que me fazia experienciar, depois da “tormenta” uma sensação agradável de alívio, por achar que teria chegado a “porto seguro”. É que a vida ensinou-me muita coisa e agora vejo as coisas sob outro prisma. Adoro a palavra “fluir”, e nesta fase da vida é o que me apetece – deixar fluir – podendo dar-me ao luxo de, mesmo sabendo aquilo que quero, acreditar que aquilo que acontece é o melhor para mim. É que há coisas estranhas, que tantas vezes nos escapam. É a mulher que faz um esforço tremendo para engravidar, sem conseguir, para logo após ter desistido de lutar por esse objetivo, sem ansiedade e a fazer a sua vida normal, acabar por receber a boa-nova, através do teste de gravidez positivo; é o homem, que fez tudo ao seu alcance para obter aquele lugar a que tanto aspirava, vê-se desalentado ao ver esse cargo ser ocupado por outra pessoa, e quando já está conformado, surge-lhe uma oportunidade de emprego ainda melhor. Os exemplos poderiam ser muitos…

Quando em 2012 criei um dos meus blogues, neste caso com o endereço http://jorgenuno-art.blogspot.pt/, fiz questão de colocar na capa os seguintes pensamentos orientadores:
– Tal como Paulo Coelho... gosto de "imaginar uma nova história para a minha vida e acreditar nela";
– Tal como Kant... gosto de "acreditar em milagres, mas não depender deles";
– Tal como Júnior Montalvão... admito que "a inspiração vem de outros [de aquém e do Além], mas a motivação vem de dentro de mim";
– Tal como Albert Schweitzer... admito, por experiência própria, que "se amar o que faço, então serei bem sucedido" e que "o êxito não é a chave da felicidade, mas a felicidade é a chave do êxito";
– Tal como Madre Teresa de Calcutá... gosto de pensar que "a Vida é um sonho, daí que o procure realizar" e que "a Vida é mistério, daí que o procure aprofundar";
– Tal como Santo Agostinho de Hippo... admito que "a fé significa acreditar naquilo que ainda não vejo, e que a recompensa por essa fé é ver aquilo em que acredito";
– Tal como Wallace Watles... admito que "a mente grata espera continuamente coisas boas e a expetativa torna-se fé";
– Tal como Lao-Tsé... admito que "quando perceber que não há falta de nada, o mundo pertencer-me-á";
– Tal como Joemar Rios... gosto de pensar que "o tamanho das minhas bênçãos são determinadas pela grandeza das minhas virtudes";
– Tal como Michael Neill... admito que "estar totalmente atento ao que existe é estar contente e estar contente é ser abençoado por tudo o que acontece na vida"
– Tal como Osho... gosto de "usar as minhas energias para tornar um mundo mais belo, mais poético e mais saudável" e admito que "não se pode ser um criador se não se for um meditador";
– Tal como Mahatma Gandhi... tenho consciência que "precisamos de nos tornar na mudança que desejamos ver no mundo."
– Tal como Fernando Sabino... admito que "no fim de tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim".

Pode ser que contribua para nos transformar positivamente, conseguir uma melhor dosagem dos desejos e objetivos, obter um pouco mais de sucesso pessoal e profissional (com um pouco menos esforço), ajudar a enfrentar a pedra de amolar da vida e fazer-nos rejubilar por ela nos afiar, quando anteriormente nos desgastava.


© Jorge Nuno (2016)

01/01/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (26) - Loucos da Bola

LOUCOS DA BOLA

Nesta fase de transição de ano, seria muito fácil abordar as loucuras que se cometem a pretexto do Natal e da Passagem de Ano, tais como: os exageros alimentares e, particularmente, o consumo de álcool; as roupas, as viagens ou uma simples noite num hotel, onde quase não se chega a dormir; as loucuras cometidas por muitas autarquias com iluminação de ruas e fogo de artifício, a atingir valores exorbitantes...

Loucuras, sempre foram cometidas; umas maiores, outras bem menores, com menos expressão, mas nem por isso deixam de se apelidar de loucuras. E normalmente até começamos bem cedo. Lembro-me de nos primeiros anos da escola primária ter a “pancada” pelos cromos da bola, como qualquer outro miúdo, com uma tendência para “ir ao céu”, quando via e conseguia um cromo em falta de guarda-redes (GR). Como tinha alguma dificuldade em comprá-los, usava subterfúgios com vizinhos e companheiros de escola, entrando aqui a troca – com variação do número de berlindes, caricas ou de outros produtos afins, consoante a raridade do cromo que pretendia –. Era um delírio quando, mesmo sem caderneta, conseguia, entre muitos outros: o Américo (GR) ou o Hernâni, do F.C. Porto; Travassos ou Vasques, do Sporting C. P.; Costa Pereira (GR) ou Cavém, do S. L. Benfica; Vital (GR), do Lusitano de Évora; Serrano (GR) do Torreense; Abalroado, da CUF – Companhia União Fabril (um clube que se manteve na 1.ª divisão durante 22 anos consecutivos e que “morreu” na época de 1975/76, com o acontecimento do 25 de abril de 1974)… Também o clube de futebol da sucursal da Empresa Fabril do Norte – onde joguei (com a braçadeira de capitão) –, após o referido acontecimento também viria a encerrar, tal como a própria fábrica, por ter cessado o apoio, que era dado pelo anterior regime, e pelo crescimento da produção nos países asiáticos. Como curiosidade, a Casa do Operário da fábrica, além do clube de futebol federado, dispunha de uma orquestra típica, um rancho folclórico e de um grupo de teatro, com a sala de espetáculos a ser inaugurada, em 1966, pelo grande Francisco Ribeiro (Ribeirinho). Estas eram saudáveis loucuras, tal como o eram, à época, jogar-se futebol, por amor à camisola, unicamente com um número nas costas e com o emblema do clube na parte da frente, junto ao coração.

No regime salazarista, surgiu a ideia dos três efes – Fado, Futebol e Fátima –, que eram considerados os três pilares do regime, a simbolizar os valores portugueses, mas que muitos acusaram da intenção de desviar as atenções dos reais problemas do país e, outros, chamavam-lhe mesmo o “ópio do povo”. Em 2003, alguns brincalhões apropriaram-se do slogan para dizer que “Fátima” era a Felgueiras (acusada de peculato e de abuso de poder, e posteriormente absolvida), que com o “saco azul”, tanto financiava o partido como o clube de futebol da cidade, onde era presidente da autarquia; que este era o nosso fado (pelas situações recorrentes em inúmeros locais do país) e… acabava-se com um “viva o futebol!”. Também é indiscutível haver uma relação entre Fátima e o futebol, senão vejamos: na procissão das velas, no Santuário, em cada 12 de maio, costuma haver um sentido adeus à passagem da Virgem, com acenos de lenços brancos; já vi isso muitas vezes no decorrer de jogos no Estádio José Alvalade, levando à saída de treinadores como José Peseiro; o grau de exigência dos benfiquistas é de tal modo elevado, a ponto de os lenços serem mostrados aos jogadores e à equipa técnica, mesmo em jogos da pré-época, por alusiva “falta de ideias, soluções e entusiasmo”; como não podia deixar de ser… também no Porto, como bons portugueses, são muito “devotos” e, no último jogo do ano, perante a derrota em casa frente ao Marítimo, brindaram, com lenços brancos, o treinador Julen Lopetegui.

Mas a loucura maior – que já não é só a de loucos por bola, mas de loucos da bola –, aí está, a envolver os jogos (“em casa”) das equipas A de futebol sénior dos três “grandes”, com valores astronómicos anunciados na CMVM!
Contudo, antes quero referir que a Deco Proteste, em 2013, desaconselhou a subscrição de um empréstimo obrigacionista no montante de 45 milhões de euros, intitulado “Obrigações Benfica SAD 2016”, pelo risco ser muito elevado, já que “as contas da Benfica SAD são débeis”. Foi, precisamente, a Benfica SAD a primeira a deixar o país perplexo com o meganegócio com a operadora NOS; vendia, a esta, os direitos televisivos e de multimédia por 400 milhões de euros, por três anos, renováveis até 10 anos, a iniciar na época 2016/2017, incluindo também a cedência dos direitos de transmissão e distribuição da Benfica TV por 3 anos, renováveis até 13 anos; lembra-se que o clube já tem um contrato com a Companhia Aérea Emirates, até ao final de 2017/2018, no valor de 8 milhões por época (podendo chegar aos 10 milhões) devido a publicidade nos equipamentos; no contrato com a NOS ficou de fora a questão da publicidade, o que coloca o clube numa boa posição para renegociação futura.

Para nosso espanto, quase de seguida, F. C. Porto – Futebol SAD anuncia outro contrato, aparentemente, ainda melhor, com a concorrente MEO/Altice; os valores envolvidos são de 457,5 milhões de euros, pelos direitos televisivos e de multimédia por 10 épocas, a iniciar em 2018/19; inclui também publicidade estática, por 10 épocas, e nas camisolas por 7 épocas e meia, a partir de janeiro de 2016, além da cedência dos direitos de transmissão do Porto Canal, por 12 épocas e meia.

Já depois de dados a conhecer os outdoors na 2.ª Circular, em Lisboa, com “Nem Champions, nem Taça, nem cérebro, nem liderança, nem poupança. As mentiras já Doyen. O Sporting está em risco. Acordem!”, visando o presidente da Sporting SAD, e quando se estava à espera de ver um “Calimero” derrotado, vexado, rezingão, a disparar em várias direções, eis que é anunciado mais um fabuloso contrato, aparentemente, ainda melhor que qualquer dos outros dois apresentados pelos clubes rivais. Foi assinado com a NOS, e anunciado o valor de 446 milhões de euros pelos direitos televisivos e multimédia, por 10 épocas, com início em 2018/19, incluindo também a publicidade estática e virtual (que ainda não está regulamentada em Portugal e, como tal, ainda não pode ser considerada legal); a publicidade no equipamento por 12 épocas e meia, a partir de 1 de janeiro de 2016 e a cedência, por 12 épocas, dos direitos de transmissão e distribuição da Sporting TV; simultaneamente foi anunciada a renegociação, com a PPTV – Publicidade de Portugal e Televisão, S.A., de Joaquim Oliveira, dos direitos televisivos e de multimédia para as três épocas, de 2015 a 2018, no valor de 69 milhões de euros, o que pode configurar um encaixe financeiro total de 515 milhões de euros.

Mesmo sabendo que estes valores não estão detalhados e são globais, não deixam de ser números deveras exorbitantes para a nossa dimensão futebolística; mas para que se fique com uma ideia da sua relatividade, cada um destes três “grandes” recebe pelos direitos televisivos e de multimédia, assim como da publicidade, aproximadamente metade do que recebe o último classificado da Premier League (inglesa). Então? As operadoras estão loucas ao fazerem estes avultados investimentos? Talvez não; são empreendedoras e acreditam na rentabilização, revendendo direitos para outros países, em vários continentes, e valorizando o mercado da publicidade. E então os pequenos clubes da 1.ª Liga portuguesa? Para os pequenos (como sempre) sobrará umas migalhas, pois também ajudam ao espetáculo, mas mesmo assim prevê-se que possam receber o triplo do que amealham atualmente. Agora, será bom para todos (e para a própria indústria do futebol), que os respetivos presidentes dos clubes se deixem de loucuras, relacionem-se entre si com civismo, não incendeiem as claques, não se ponham a fazer compras de passes de jogadores de valor e ordenados incomportáveis, e amortizem as dívidas e abatam os elevados passivos, atualmente capazes de levar à falência um qualquer clube, mesmo que histórico.

Malucos por bola? Sempre houve e haverá. Até a minha gata “Ronalda” – assim apelidada, não por associação ao “nosso” CR7, mas ao brasileiro, “o verdadeiro Ronaldo” (como disse José Mourinho, com provocação) – mesmo gorda como está, quando encontra qualquer uma das três bolas ultraleves anti-stresse (que esconde habitualmente) é uma alegria e corre, sofregamente, durante uns bons minutos, para depois retomar a vida pachorrenta de quem só “come e dorme”.



© Jorge Nuno (2015)

Obs.: Crónica a sair amanhã na BIRD Magazine (da UTAD)

25/12/2015

Não Importa

NÃO IMPORTA

Não me importa a clorofila das árvores
E os fenómenos de fotossíntese,
Apenas o espanto daquele verde.

Nem por que a gravidade me atrai,
Como a puxar-me… querendo prender-me,
Se me liberto em sentido contrário.

Nem do porquê daquele azul do céu,
Do tom âmbar, vermelhão ou rosado,
Se estou grato perante tal esplendor.

Não importa estar numa noite escura
Se a escuridão é equalizador
E muda parâmetros aos meus sentidos.

Não importa que me vejam disperso
Se sei que realinho a consciência,
Atento e sem bluffs sensoriais.

Não importa que me achem cegueta
Quando consigo ver, em meu redor,
Requinte da beleza no banal.

Não importa que me julguem matéria
E, na cova, serei apenas pó,
Se eu sou energia em movimento.

Raios!… Digam então por que me indigno
Quando, nesta caminhada da vida,
Tropeço em tanta estupidez humana!

© Jorge Nuno (2015)        

19/12/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (25) - Eternas Coboiadas

ETERNAS COBOIADAS

Mesmo no final dos anos 60, no salão de baile de uma coletividade nos arredores da cidade de Coimbra, enquanto no palco o grupo musical (de que eu fazia parte) proporcionava uns momentos de descontração, através da dança, reparei que se tinha gerado uma enorme confusão, com empurrões e alguns socos, a que se juntou mais uns quantos “pugilistas” de ocasião, não para separar aqueles dois jovens engalfinhados pelas emoções (leia-se ciúmes) e algum álcool, mas sim para “ajudar à festa”. Com olhares cúmplices e alguns acenos de cabeça, acabámos de imediato aquele slow, para desagrado dos casais que se queriam manter agarradinhos. Quando era suposto aproveitar-se a ocasião para um apelo à ordem na sala, com recurso a um dos microfones, iniciei, sozinho, com a minha irreverência ou falta de sensatez, o tema de abertura de Bonanza – a popular série de televisão, de cowboys, com personagens simpáticas, onde predominava a lei do oeste –. De imediato, acompanharam-me os restantes membros do grupo, mesmo sem qualquer ensaio. Sinceramente, nunca vi uma briga acabar tão rápido! O problema foi a sala em peso ficar a protestar contra os músicos, mas isso resolveu-se bem com… outro slow. Se dúvidas houvesse, ficou provado que a música tem um efeito benéfico no comportamento das pessoas.


Mas lembro-me de muitas outras coboiadas – de outra índole –, e desta vez bem mais recentes, que passo a relatar.

Registo duas ocorrências no parlamento de Taiwan, em 2013, e com a diferença de dois meses, em que houve lutas violentas e imperava a força muscular dos socos e pontapés, denotando conhecimento de artes marciais, sempre com o envolvimento de deputados apoiantes do partido do governo e deputados dos três partidos da oposição. Uma, por causa da votação que daria lugar a um referendo que permitiria a construção da quarta central nuclear na ilha e, outra, ao pretender-se “mexer” numa taxa sobre transações comerciais, aprovada um ano antes.

No Knesset, parlamento israelita, tendo sete partidos com assento parlamentar, entre trabalhistas, sociais-democratas, ultranacionalistas (2) e árabes (3), o ambiente é permanentemente escaldante, embora me tenham dito – quando estive em Jerusalém, no exterior do edifício – que era o lugar mais frio do planeta, por ter “120 [deputados] abaixo do zero”! Motivações não faltam para posições extremadas e imagine-se o que foi, em 2014, o debate até à aprovação da “Lei da Governabilidade”, que como o próprio nome indica, visa contribuir para a governabilidade do país, e exige um maior número de votos para que um partido participe no “jogo político”, ficando também a ideia de haver a intenção de prejudicar as três formações políticas que representam os cidadãos árabes (a menos que se unissem).


No parlamento japonês, em 17 de setembro de 2015, também houve perda de compostura. Os deputados da oposição tentaram impedir, pela força braçal, a aprovação de um projeto de lei que permitiria ao país, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, enviar tropas para conflitos armados no exterior, deixando de ter uma Constituição pacifista. Esta sessão, com o propósito da oposição poder defender o ideal pacifista, foi tudo… menos pacífica.

No Brasil, em 10 de dezembro de 2015, houve “cenas tristes” com deputados, pasme-se, do Conselho de Ética, a gerar muita confusão, com muitos empurrões [há quem diga, alguns tabefes], como forma de defender ou impedir o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, até ao seu julgamento [terá sido apanhado no caso Lava Jato, com indícios de corrupção e lavagem de dinheiro, à data de 20 de agosto de 2015]. Nem valeu o apelo do presidente do Conselho para que os deputados se comportassem com moderação e ainda mais por se estar no Conselho de Ética. Como se isto não bastasse, o deputado Manoel Júnior, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, pelo Rio de Janeiro, terá alegado em defesa de Eduardo Cunha: “Gostaria de saber quem foi a cabeça iluminada que pensou nisso [o afastamento]. Se foi por ter processo no Supremo, mais de 150 parlamentares teriam que ser afastados”. Agora sou eu que digo: “Valeu, meu irmão!”.   

No parlamento do Kosovo, a oposição assegurada pelo partido Vetëvendosje [Autodeterminação] liderou (e lidera) o movimento de protesto para “exigir a renúncia dos acordos sobre a normalização das relações com a Sérvia”, pois querem que a independência unilateral, proclamada em 2008, seja uma realidade aceite pela Sérvia, assim como também exige o fim do acordo, concluído este ano com o Montenegro, acerca das fronteiras de ambos os territórios. Assim, como forma de bloquear os trabalhos do parlamento kosovar, por diversas vezes, deputados da oposição lançaram gás lacrimogéneo, ovos e usaram apitos para impedir o normal funcionamento das sessões. Em 14 de dezembro de 2015, um parlamentar voltou a introduzir e a despoletar uma granada de gás lacrimogéneo no parlamento, forçando, mais uma vez, a interrupção dos trabalhos.

No parlamento da Ucrânia, em 15 de dezembro de 2015, registaram-se cenas de pancadaria entre deputados apoiantes do primeiro-ministro e apoiantes de Poroshenko [presidente da Ucrânia]. O primeiro-ministro foi interrompido por um deputado da oposição, que lhe levou um ramo de flores, agarrou nele e retirou-o à força do púlpito do parlamento. Claro, seguiram-se os habituais empurrões, murros e até puxões de cabelo (de que o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk se livrou… por ser careca!). Sobre este caso fica a ideia: “ Se alguém te oferecer flores, é porque te quer levar ao colo!”.

Bem… todos estes relatos fazem com que os deputados portugueses pareçam uns piegas, copinhos de leite, em que o maior desconforto atual será a azia de alguns, já que parece não haver dúvidas quanto à manifesta indiferença com que ouviram os comentários do Paulo Morais, na qualidade de candidato à presidência da República, a prometer que irá forçar o parlamento a legislar sobre a corrupção e a dizer que o maior antro de corrupção no país é a própria Assembleia da República (AR). Mas se alguma vez as coisas azedarem, der mesmo para o torto, e os deputados acharem por bem resolver as divergências à trolhada, então a AR deverá ter um impecável sistema de som, sem falhas, para que de imediato se possa fazer ecoar o tema da série Bonanza. Pensando melhor, porque há um número apreciável de deputados jovens (nascidos muitos anos depois da série ter terminado), e até para aprenderem como custa engolir mentiras, deverá ser anunciada a banda Xutos e Pontapés, para ficarem com as antenas no ar, e ser passada a canção Só à Estalada, da Ruth Marlene. Será gratificante ver como os ânimos serenam logo!

© Jorge Nuno (2015)
   



05/12/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (24) - Ser Voluntário, Ser Solidário

SER VOLUNTÁRIO, SER SOLIDÁRIO

Esta é a minha 24.ª crónica quinzenal, prestes a cumprir-se um ano de colaboração voluntária com a BIRD Magazine. É curioso o facto de eu não sentir falta de tema, sempre que me coloco em frente ao meu PC, mesmo que parta sem tema, como acontece tantas vezes. Desta vez, poderia: brincar com a desconfortável azia provocada pela mudança nas cadeiras do poder em Portugal, com as tão apregoadas “costas do povo” e com a “inevitabilidade de se aceitar a dura realidade dos factos”; ironizar com os discursos dos líderes dos países mais poluidores do planeta, em plena Cimeira do Clima, em Paris e que, com alguma hipocrisia, tentam demonstrar preocupação com as alterações climáticas e com a dificuldade em encontrar estratégias a adotar, na mesma altura em que têm aviões dos seus países a bombardear, intensamente, poços e refinarias petrolíferas, paióis de munições e outros alvos suscetíveis de causar graves danos ambientais; ou outro tema, bem mais agradável, como realçar e louvar as políticas do reino do Butão, designado como o “reino da felicidade”, que faz deste pequeno país, a leste dos Himalaias, o menos poluente na Terra, a fazer-me lembrar o personagem central do meu romance As Animadas Tertúlias de Um Homem Inquieto – o Filó – com os seus comentários junto de amigos, a propósito do Butão (quando, provavelmente, esse rol de amigos até desconhecia que houvesse um país com este nome): “(…) o rei declarou que a política do reino deve estar ligada ao bem-estar das pessoas e, neste país, parecem levar muito a sério a ‘felicidade interna bruta’, que será tão importante como o PIB, onde a economia e o crescimento económico é apenas uma parte da equação. Cá, fica-se com a ideia que só interessam os números, consolidação de orçamentos, estatísticas, rácios financeiros… as pessoas são completamente esquecidas. Vive-se numa era de capitalismo desumano… sem compaixão (…)”.

Como facilmente se vê, haveria aqui muita matéria-prima para escrever esta crónica e, com exceção das partes mais sérias, acredito que até seria possível fazer soltar uns sorrisos, sempre bem-vindos, para adoçar a vida. Mas não. Intimamente, prefiro abordar o voluntariado e a sua importância na sociedade, mesmo conhecedor do risco de banalização da comemoração “imposta”, com natureza diversa, dia após dia e ao longo de todo o ano, como chamada de atenção para determinado assunto ou problema. É que hoje está a decorrer o Dia Internacional do Voluntário, dia que foi instituído pela ONU em 1985, com o objetivo de “fazer com que, ao redor do mundo, sejam promovidas ações de voluntariado em todas as esferas da sociedade”. Segundo o dicionário – que consulto frequentemente –, a palavra “voluntário” significa: “que se faz de livre vontade” (…) “que procede espontaneamente” (…) “pessoa que se compromete a cumprir determinada tarefa ou função sem ser obrigada a isso”. Para a ONU, “o voluntário é o jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem-estar social, ou outros campos (…)”. Resumidamente, é dito e sabido que “os voluntários são pessoas ou grupos que, sem remuneração, ajudam a melhorar a qualidade de vida do planeta. Dedicam parte da sua vida para ajudar a resolver problemas da sua região, indivíduos que se sensibilizam com as causas sociais e estão dispostos a dar alegria, carinho e amor para quem está a precisar de apenas sorrir”.
Relacionado com o voluntariado, a ONU, no ano 2000, estabeleceu 8 objetivos do milénio:
1 – erradicar a extrema pobreza e a fome;
2 – atingir o ensino básico universal;
3 – promover a igualdade entre sexos e a autonomia das mulheres;
4 – reduzir a mortalidade infantil;
5 – melhorar a saúde materna;
6 -  combater o HIV, a malária e outras doenças;
7 – garantir a sustentabilidade ambiental;
8 – estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.

Recomendava Osho (filósofo oriental): “Use as suas energias para tornar um mundo mais belo, mais poético e mais saudável”. Os voluntários enquadram-se nesta filosofia de vida. É evidente que nem é necessário ter elevadas qualificações, pois qualquer pessoa pode ser voluntária. Numa breve retrospetiva, constatei que mais de metade da minha vida exerci voluntariado no associativismo, particularmente no juvenil, com promoção sistemática de atividades e eventos culturais e desportivos, culminado com as minhas funções docentes numa universidade sénior. Nestas funções, tenho consciência que, com dedicação e criatividade, doei energia e contribuí, com o meu entusiasmo e algumas capacidades, para que pessoas seniores procurassem não falhar aqueles momentos, que valorizavam. Como retorno, tive a sensação de uma experiência gratificante e enriquecedora, devido à influência positiva no contacto humano e na partilha do conhecimento, que fez realçar o valor da amizade e o interesse da socialização, o que me deu uma enorme satisfação pessoal, reforçada pela reconhecida utilidade social de esta atividade.

Li, algures, que “o primeiro passo para a cidadania plena é o compromisso com o voluntariado” e, in Cadernos de Lanzarote [1995], de José Saramago, com a acutilância que lhe era conhecida: “Creio no direito à solidariedade e no dever de ser solidário. Creio que não há nenhuma incompatibilidade entre a firmeza dos valores próprios e o respeito pelos valores alheios. Somos todos feitos da mesma carne sofrente. Mas também creio que ainda nos falta muito para chegarmos a ser verdadeiramente humanos. Se o seremos alguma vez (…)”.

O meu lado humanista e poético leva-me a acreditar nos homens de boa vontade como forma de transformar a sociedade, começando pela ajuda desinteressada ao próximo. O meu “bem-haja” a todos aqueles que dedicam algumas horas semanais com gestos de cidadania ativa, sem estar à espera de algo em troca.

© Jorge Nuno (2015)  


21/11/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (23) - Televisão - Essa Caixa Mágica

TELEVISÃO, ESSA CAIXA MÁGICA

Comemora-se, na presente data, o Dia Mundial da Televisão, instituído pelas Nações Unidas em 1996. A televisão faz-me ter presente a imagem do café do Bafeta, cujo proprietário, corcunda, era uma figura castiça e manhosa, mas com a ousadia suficiente para adquirir o primeiro televisor da localidade – um caixote enorme com imagem a preto e branco, pois claro –. Estávamos em 1957, ano em que teve início a televisão em Portugal. Havia um canal único e bem controlado, em tempo de ditadura. Como o estabelecimento, tipo tasca, era relativamente pequeno, assim como eu (pois ainda frequentava a escola primária), ficávamos em pé, do lado de fora, tal como era frequente na capela, nas cerimónias religiosas em dias festivos. Só que para ver a televisão a paixão e o fervor seria maior, pois até púnhamo-nos em bicos de pés, a acotovelar-nos no exterior e a espreitar pelas duas pequenas janelas, para tentar ver alguma coisa.

Foi aí, no café do Bafeta, que tive acesso pela primeira vez às artes de palco, tudo em direto, deixando-me fascinado. Foi aí que vi as primeiras peças de teatro e filmes portugueses, os quais foram repetidos à exaustão, e que, estranhamente, eram sempre revistos com agrado. Relembro “Aniki Bóbó”, de Manoel de Oliveira, e uma série de comédias bem-sucedidas como o “Pátio das Cantigas”, o “Leão da Estrela”, “A Canção de Lisboa”, a “Aldeia da Roupa Branca”, a “Maria Papoila” e “O Costa do Castelo”, de que faziam parte grandes atrizes e atores, como Vasco Santana, António Silva, Ribeirinho, Milu, Laura Alves, Mirita Casimiro, Beatriz Costa, Curado Ribeiro (…).

Mais tarde, na Casa do Povo, e com uma enorme plateia, sentada, a olhar para aquela caixa mágica, assisti ao mais emocionante jogo de futebol de que tenho memória. Decorreu em Londres, no ano de 1966, e tratou-se do célebre Coreia do Norte – Portugal, na estreia de ambos num campeonato mundial. Portugal perdia por 3 – 0 e viria a ganhar, heroicamente, por 3-5, com 4 golos do saudoso Eusébio, que se sagrou o melhor goleador da prova e contribuiu para que Portugal chegasse ao 3.º lugar, ao eliminar a União Soviética, que tinha o melhor guarda-redes do mundo – Yashin –. Já naquela altura havia maluqueira pelo futebol, a ponto de o meu avô paterno, que trazia trabalhadores à jorna no campo, dispensá-los para verem este jogo, pagando-lhes como se estivessem a trabalhar. Nesse mesmo ano, teria a possibilidade de ver a peça “As Árvores Morrem de Pé, com a Palmira Bastos, na sua bela idade de 90 anos, a ter uma magnífica representação e a deixar-nos a frase que ficou célebre: “Morta por dentro, mas de pé, como as árvores”, a qual serviu de inspiração a muitas mulheres deste país, numa altura em que estas não eram minimamente valorizadas na sociedade.

Outro programa que marcou o panorama televisivo (à época, duplamente cinzentão) foi o primeiro talk show português e uma lufada de ar fresco – o Zip-Zip –, que teve apresentação de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. De igual modo, marcou-me a mim também, mesmo ainda sem saber que os conteúdos eram previamente negociados com a PIDE, e que entre os espetadores que assistiam à gravação no Teatro Villaret estava sempre um agente da mesma polícia política. Apesar das restrições, a crítica subliminar, feita através de este programa, serviu para alertar muitas consciências.

Em 1968 surgiu um segundo canal da RTP. Apesar de ele, durante muito tempo, ter uma fatia de mercado na ordem dos 4%, eu fazia parte de uma minoria que o privilegiava, para ver programas de índole cultural.

Em 1975, ano em que se iniciaram as emissões a cores, já se respirava liberdade e os programas refletiam isso.

Nos anos 80, quem passava os “domingos de alcatifa” fez de “O Passeio dos Alegres” um programa de sucesso. Era um programa de entretenimento apresentado pelo Júlio Isidro, que lançou imensos jovens talentosos, hoje artistas consagrados ou… esquecidos. Entretanto, o Herman José fazia sucesso com programas humorísticos, com destaque para o “boneco” criado por si – o Diácono Remédios –, a fazer-nos lembrar, com sorrisos, a censura de má memória. Também a Ivone Silva e o Camilo de Oliveira faziam furor com “Sabadabadu”, um programa de humor que teve curta duração, mas que se via com muito agrado, devido ao talento de ambos.

Em 1992 surgiu a primeira estação de televisão privada em Portugal – a SIC –. No ano seguinte, foi a vez da TVI. Dai para cá deu-se uma evolução espantosa, mas com as seguintes ressalvas: o falhanço da alteração do sinal analógico pelo sinal digital, através da “imposição” da TDT – Televisão Digital Terrestre; o evidente exagero de muitos programas que recorrem à mesma estratégia de autofinanciamento, com recurso a chamadas de valor acrescentado; os enormes intervalos, cheio de publicidade, que fazem esquecer que programa estava ser transmitido; o baixo nível de programas [incompreensivelmente] de grande audiência, como os reality shows, pelo voyerismo, ou os programas musicais no exterior, em que se valoriza a mediocridade; todos os canais generalistas têm um número anormal de rubricas com culinária, numa altura em que falta o pão em muita mesa; as imagens com os horrores da humanidade, em direto, levando à banalização, à indiferença… estendendo, no tempo, as notícias sem novidades, numa luta pela liderança de audiências; os inúmeros “fazedores de opinião”, pagos principescamente, com a estratégia de influenciar; os julgamentos na “praça pública”, com revelação de processos judiciais em segredo de justiça; os elevados riscos para a saúde física e mental das pessoas, e particularmente as crianças, devido ao número excessivo de horas em frente ao televisor. Mas falava de “evolução espantosa”. Num curto espaço de tempo, passou-se de apenas quatro para uma “infinidade” de canais. As velhas antenas nos telhados foram substituídas pelas antenas parabólicas, para logo caírem em desuso. Surgiu o sistema por cabo coaxial, para logo aparecer o de fibra ótica. Hoje, os pacotes com 200 ou mais canais [pagos, naturalmente] estão associados a uma box, que permite selecionar: canais generalistas; informação; desporto; entretenimento; programas infantis; filmes e séries; estilos de vida (moda, culinária…); documentários; música; estações de rádio; sistemas de gravação automática e manual; sistema de videoclube; apps (jogos, compras, youtube…); área do cliente (para gestão dos serviços adquiridos ou a adquirir). Como se isto não bastasse, há televisões que permitem imagem em HD, 3D e agora Ultra HD e, com uma smart tv, tem-se acesso à internet e pode usar-se com as funções de um computador. Apesar de se ver televisão nos smartphones, na rua ou em qualquer lugar, sem fios, e ter-se acesso a programas emitidos até há 7 dias atrás, tenho noção que dentro de 10 anos, se esta crónica voltar a ser lida, alguém irá sorrir por toda esta tecnologia/ maravilha se encontrar obsoleta.

Bem… não sei se será bem assim. A ser como no filme “Idiocracy”, traduzido para “Terra de Idiotas”, o desfecho será mesmo bem diferente. Trata-se de um filme em HD, que passou recentemente num canal de televisão, englobado no tal pacote. Resumidamente, o argumento retrata um homem banal, talvez pouco inteligente, com a tarefa de um bibliotecário nas instalações de uma unidade militar, cujo local de trabalho mais parecia a de um arquivo morto. O personagem principal, Joe Bauers, encarnado pelo ator Luke Wilson, vê-se envolvido num projeto militar de hibernação, na expetativa de ser “acordado” ao fim de um ano. Só que o projeto viria a ser abandonado e o bibliotecário esquecido. O personagem surge uns séculos depois, no ano de 2505… Eu gosto de humor inteligente, e reconheço que neste havia idiotice a mais para o meu [bom] gosto. Confesso que senti um forte impulso para desistir de ver o filme e, simplesmente, mudar de canal ou ir ler, como tantas vezes faço. Mas não, resisti, pela curiosidade, e fui mesmo até ao fim. No prosseguimento do filme… o Joe Bauers deu-se conta que estava perante uma população sem neurónios, completamente alienada e estupidificada pela televisão, o que fazia dele o indivíduo mais inteligente de todos, e viria a resolver muitas das trapalhadas em que os outros (e ele próprio) estavam metidos. Estando eu bem longe de aplicar um rótulo de “qualidade” neste filme, mesmo na presunção de ser uma caricatura, não deixa o mesmo de nos alertar para os perigos da alienação através da televisão. E pelo jeito que isto leva!…

© Jorge Nuno (2015)

07/11/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (22) - Em Força... na Terceira Idade

EM FORÇA… NA TERCEIRA IDADE

Há poucos dias atingi, oficialmente, a chamada terceira idade. Pode parecer estranho e soar a falso, mas esse facto encheu-me de uma genuína alegria. Durante alguns anos, como professor numa Universidade Sénior, encorajei os meus alunos a um envelhecimento ativo, por acreditar nas suas potencialidades e tendo em vista, sempre, a melhoria da qualidade de vida. Numa sociedade inclusiva, como entendo que deverá ser a nossa, devem ser “dadas” oportunidades aos idosos. E na eventual ausência dos convenientes apoios formais, essas oportunidades devem ser “conquistadas”, a partir das bases, por iniciativa dos próprios. Há que cuidar da manutenção da saúde física e mental, como também de prolongar a autonomia e independência, mantendo ou recriando, cada um, os seus objetivos – bem pessoais –, de acordo com as suas tendências, capacidades e talentos.

Hoje, sinto que é isso mesmo que procuro fazer. Se apregoei a “aprendizagem ao longo da vida” e estive envolvido em projetos nacionais que tornaram isso possível a muitos cidadãos, hoje mantenho essa postura de entusiasta pela aprendizagem, apesar da minha condição de aposentado. Se o culto pela leitura esteve sempre presente na minha vida, hoje está mais do que nunca, pela minha maior disponibilidade. Tenho sobre a minha secretária dois livros, que vou intervalando na leitura, além da permanente consulta do dicionário. Um deles é “Um Cérebro Sempre Jovem”, de Tony Buzan, em que na introdução, pode ler-se algo surpreendente: Pare de pensar que cada ano que passa o aproxima mais dos seus terríveis “momentos seniores” (…). É um erro completo partir do princípio de que o seu cérebro se deteriora com a idade: existem dados científicos que o comprovam. A verdade é que tem de cuidar do seu cérebro, tal como qualquer outra parte do seu corpo, para o manter em bom funcionamento (…). Mantenha o seu cérebro ágil e em forma, e ele terá um desempenho tão bom quanto pretende. Conseguirá, de facto, ser capaz de o manter à prova de idade.    

Vi reforçada a perceção, que sempre me tinha acompanhado, de que deveria fazer um bom uso do cérebro, a começar por ter que o exercitar sem descanso. Foi nesta perspetiva que optei, há uns anos, por aderir ao “novo acordo ortográfico”, mesmo sabendo da discordância dos puristas da língua e de todos aqueles acomodados, pouco ou nada sensíveis a qualquer mudança, seja ela qual for, e do imenso investimento e embaraço pessoal que isso implicaria, para mim. Comprei um novo dicionário, com as palavras escritas “corretamente” segundo o novo acordo. Ao mesmo tempo, adquiri o livro “Saber Usar a Nova Ortografia”, de Edite Estrela, Maria José Leitão e Maria Almira Soares. Como sempre fui um homem de ação, escrevi, escrevi, escrevi… e de uma pessoa que estava numa posição confortável, passei a ser uma das “pessoas que são constantemente assaltadas pelas dúvidas linguísticas mais elementares” e pelas dúvidas relacionadas com a capacidade do meu cérebro, que aparentava perder qualidades. É esta uma das razões do aparecimento do meu segundo romance, que intitulei “O Milagre da Memória” (ainda não editado). E também do aparecimento do segundo livro, que adquiri e está atualmente, de forma permanente, em cima da minha secretária – “500 Erros Mais Comuns na Língua Portuguesa”, de Sandra Duarte Tavares –, que tem um curto e delicioso prefácio de Ricardo Araújo Pereira, e que aqui deixo um breve excerto: A minha profissão é escrever textos humorísticos. (Interpretá-los é apenas um acidente, muitas vezes na dupla acepção de acaso e desastre). O meu trabalho é escrever palavras num papel e esperar que elas façam rir alguém. Ou seja: tentar provocar uma convulsão física violenta noutra pessoa. Trata-se de procurar produzir em alguém o efeito das cócegas, mas sem lhe tocar. Os erros de linguagem, a menos que sejam propositados, dificultam-me a vida. Falar ou escrever com erros equivale, no meu caso, a beijar mal, ou a fazer cócegas que magoam. Por isso, junto da secretária onde trabalho, tenho vários livros de pessoas que me ajudam a parecer um pouco menos analfabeto (…).       

Mais uma vez, sinto – mesmo que conte apenas a intenção de me instruir e parecer “menos analfabeto” – que estarei no bom caminho. Sinto também que a minha ousadia, experiência e alegria de viver, como sénior, me está a dar um retorno fabuloso. Receber uma imensidão de mensagens e muitos telefonemas, por parte de familiares e de amigos, a felicitar-me em dia de aniversário e em que entro em força… na terceira idade, são entendidas como uma bênção – a de estar rodeado de amigos –. Fiz uns cálculos rápidos (lá está… é preciso exercitar o cérebro!) e cheguei à conclusão de necessitaria de cerca de 8 horas para responder a todas essas mensagens, caso gastasse 2 minutos com cada. Eu sei que "para os amigos há sempre tempo" (mensagem escrita num relógio de sol existente em Portalegre) e, aos poucos, levei uma semana a responder a cada um, e espero que a memória não me tenha atraiçoado. Foi mesmo um dia inesquecível. Com tantas amizades a felicitar-me – o que fez aumentar o meu bem-estar –, e com todo o meu empenhamento em dar bom uso ao cérebro, lembrei-me do programa de humor acutilante do Ricardo Araújo Pereira, que surgiu por altura da última campanha eleitoral para as Legislativas, intitulado “É Tudo Muito Bonito, Mas”. É que três acontecimentos neste dia de aniversário, em que tudo é [ou parece] muito bonito, mas há sempre um “mas”… tornaram mesmo o dia inevitavelmente inesquecível.
Caso 1 - Ao sair da garagem com o carro, estacionei por breves instantes no exterior. Logo a seguir, três “idosos” (provavelmente um pouco menos idosos que eu próprio), com ar quem vem à feira da cidade, mesmo que não seja dia de feira, olhavam insistentemente para a minha viatura e para mim, com um sorriso ainda mais enigmático do que a da Gioconda. “Devem estar a confundir-me com o anterior presidente da câmara”, pensei e sorri-lhes, o mais educadamente que consegui. Pouco depois, quando fui à mala do carro, descobri que tinha um dos pneus traseiros completamente em cima do passeio, excessivamente alto. Com é possível não ter dado por isso?
Caso 2 – Resolvi oferecer uma prenda a mim mesmo – um candeeiro flexível para a minha secretária, substituindo o bonito candeeiro existente, mas pouco prático –. Antecipadamente, tinha recortado um bocado do panfleto, com o produto, de uma conhecida cadeia de hipermercados. Não encontrando o produto, dirigi-me ao responsável de loja e mostrei-lhe o recorte, para que me dissesse onde o poderia encontrar. Olha espantado para o recorte e diz: “Mas hoje não é quinta-feira. Tem por trás alguma coisa do “Halloween”? – virou e tinha mesmo. Havia concordância, o que o deixa ainda mais confuso, e é então que se lembra de perguntar, como quem já sabia a resposta, e fê-lo com um sorriso semelhante ao dos citados “idosos”: “Bô… não me diga que guardou o jornal do ano passado?
Como é possível isto ter acontecido?
Caso 3 – Apesar de estar um céu muito nebuloso e escurecer mais cedo, resolvi passar o resto do dia em contacto com a natureza e fui até ao Parque Natural de Montesinho, onde se estava perante uma paisagem protegida, deslumbrante e incomum, pela arborização e tons ocre a castanho avermelhado das folhas, em pleno outono. Aproximando-se a hora de almoçar, fui à bonita aldeia (recuperada) de Montesinho, para um repasto com gastronomia regional. Como não via ninguém e o restaurante da aldeia estava fechado, dirigi-me à casa do Povo, onde me disseram: “Agora é tempo de castanha e eles foram por ela!”. Antecipo, mentalmente, o “como é possível?”. Sim, como é possível, uma pessoa com esta experiência de vida, acreditar que o único restaurante da aldeia estava à sua [minha] espera… em tempo de fartura de castanhas? Em vez de um repasto típico, numa aldeia transmontana bem caraterística, acabei no centro comercial da cidade (único sítio onde se poderia encontrar um “restaurante” aberto, de uma qualquer cadeia de fast food) a comer um “calzone italiano”, já por volta das 16h30, o que representaria 17h30, se não tivesse havido a mudança da hora no dia anterior.

Dia inesquecível, a mostrar que estou em força… na terceira idade, e que, apesar de tudo, a minha experiência de vida valorizou, mantendo em alta o lado positivo.


© Jorge Nuno (2015)