08/07/2012

Não Há Fórmulas Mágicas


NÃO HÁ FÓRMULAS MÁGICAS

Em estado meditativo
Procuro não pensar.
Apenas procuro manter a mente
Silenciosa, em consciência desperta,
Sem ideias preconcebidas,
Sem um objetivo definido,
Sem metas a alcançar,
Sem distrações externas...
Não sei se iludo os sentidos…
Apenas deixo a mente
Funcionar livremente,
Evadindo-me da prisão do meu corpo.
Todo o meu ser medita e flutua.
Aumento a leveza interior,
Reduzo a zero
As sensações desagradáveis,
Carga pesada do quotidiano,
E atinjo um equilíbrio
A cheirar a paz.

Aos poucos vou descobrindo…
Que o papel que desempenho
Depende de mim,
Que não há fórmulas mágicas,
Ou se as houver…
Terei que as procurar 
E descobrir sozinho!

Almada, 8 de Junho de 2012
              Jorge Nuno

Desejos Insaciáveis


 Foto de Jorge Nuno (2012), Cadeados, Vilnius, Lituânia.


DESEJOS INSACIÁVEIS

Na ilusão,
Andamos… corremos na vida,
Numa procura incessante
De atingir desejos insaciáveis.
Como se o êxito
Seja a expressão máxima do ser,
E atestar o depósito de esperança
A melhor forma de o alcançar.

Na ilusão,
Esquecemo-nos, facilmente,
Que nessa procura incessante
Apenas atravessamos desertos
Em busca de uma miragem.

Com lucidez,
Continuemos a procura incessante
De alcançar os legítimos desejos:
Os que são superáveis,
Os que são saciáveis.
E afastaremos, temporariamente,
A sombra da infelicidade,
Que por esta via
Tanto teima em nos acompanhar!

Almada, 8 de Julho de 2012
            Jorge Nuno

06/07/2012

Aviso à Navegação


AVISO À NAVEGAÇÃO

Eu procuro
Ser faroleiro e farol,
Ser luz e ser aviso,
Ser aviso à navegação
Em tempos de escuridão.

Tanto mar…
Tanta gente…
Tanta gente muda…
Tanta gente muda à deriva,
Guiada por cegos e surdos…
E tanta gente a naufragar!...

Hei de continuar a procurar
Ser luz e avisar
Na esperança de alcançar
Os incautos navegantes!

Coimbra, 5 de Julho de 2012
              Jorge Nuno

04/07/2012

O Canal Zen (Pequeno Conto]






O CANAL ZEN

Ela sentou-se no seu sofá, para uma tarde de alcatifa a ver televisão, já que o dinheiro, a sua condição física e a imaginação pareciam não dar para mais. Com a sua “Fantastic Life”, já com canais HD, a custar os olhos da cara, resolveu fazer um “zapping” nos canais, sendo rápida a fugir às notícias. De muito premir o botão + da programação, no comando da box, fixou-se, algum tempo, num canal de imagem quase fixa. Lentamente, foi chegando o tronco à frente e parecia estar a gostar de ver aquela paisagem idílica. Ajeitou os óculos, viu o nome do canal e não se conteve:
– Canal Zen? Ai valha-me Deus! Mas como é que nunca tinha reparado nisto?
– Oh… D. Lulu, não admira!... A senhora está quase sempre a ver os canais portugueses ou brasileiros!... – Disse-lhe a vizinha de há muitos anos, desempregada e já sem idade para arranjar emprego, que aceitava umas gratificações, umas lembranças e até uns produtos da horta que a filha da D. Lulu lhe trazia, por ir lá a casa várias vezes ao dia, para olhar pela mãe.
A D. Lulu, como que não ouvindo ou não fazendo caso do que ouviu, manteve o olhar fixo no ecrã do televisor. A paisagem ainda era a mesma, com uma praia de areia dourada e um vaivém incessante de pequeníssimas ondas que se perdiam para logo surgirem outras com a mesma cadência. A música de fundo parecia indiana, repetitiva, mas suave e agradável. Chega-se atrás, como que decidida, baixa um nadinha o som, pousa o comando e recosta-se decidida a ver o que aquilo ia dar. Aquele marulhar das ondas e aquela música esquisita parecia que a deixava mais esquisita que a música esquisita, deixando-a como que precocemente extasiada, hipnotizada, em transe… à medida que ia visualizando as imagens. A concentração naquele tipo de imagem serena, com câmara fixa, e acompanhada de sons repetitivos, tal como as ondas, bloqueava-lhe as sensações externas. Sem distrações visuais, com sinal forte sem distorção e com o nível de “ruído” lentamente a decrescer, viu reforçados determinados estímulos, em que o ecrã funcionava como desencadeador. Nesta ambiência, sentiu fixar-se num “campo uniforme”, em que descontraídos os músculos do corpo e estimulada a circulação sanguínea, caiu num estado de relaxamento induzido, onde tudo pode acontecer.
Como que em transe, sem ter consciência, logo, sem se preocupar no que pensava ou com o que dizia, dizia, mas dizia mesmo sem pensar, quase em surdina, o que dava para ouvir:
– Faço a minha defesa percetual! Não ouço o que não quero ouvir! Não ouço o que não quero ouvir! – Repetindo-se até à exaustão durante três minutos, com este monólogo estranho! Sossega por uns instantes e recomeça a tendência para falar baixo, ainda com alguma agitação:
– Os meus pensamentos… era eu que os criava! Alguém me roubou os pensamentos! Se calhar os pensamentos nunca foram meus!... Os pensamentos não me pertencem! Os pensamentos chegam-me nos sonhos! Mas agora estão a ir nos sonhos! –Ia repetindo as frases, aleatoriamente, mas acabando sempre em “Mas agora estão a ir nos sonhos!” E de todas as vezes que repetia esta frase, abrandava a agitação, entrando finalmente num relaxamento profundo.
Deixou finalmente de sentir os problemas de incontinência e de intestinos, perturbações do sono e de memória, diabetes, artrite reumática, anemia, hipertensão e espondilose degenerativa lombar que já a acompanhava há uns anos, como uma sombra – já para não falar na parte sexual, própria desta idade! Tudo isto sem comprimidos, supositórios, pomadas ou injeções, receitadas no Posto de Saúde, ou sem chás e outras mezinhas, feitas com desvelo pela filha, quando a visitava, ou até sem a ida ao bruxo nem ao endireita (a D. Lulu acreditava há uns anos, que um dos dois lhe havia de aliviar as dores...)!
Nestes momentos “iluminados”, livre dos males físicos, a mente da D. Lulu vagueia e leva-a aonde entender que deve ir e estar com quem quiser estar!
Vê-se numa festa com carrocéis, primeiro agarrada ao pescoço da girafa, intervalando com uma fartura gordurosa, e depois na montanha russa. Sempre que havia um “looping” ou já na descida veloz… ouvia-se a D. Lulu, no sofá, gemer de excitação, deixando sair um bem prolongado aaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! inclinando-se, sem saber para onde, até começar nova subida. Puro divertimento e libertação! Muitas brincadeiras, risos e mais risos, no convívio de muitas pessoas conhecidas e amigas, que a sua cabeça já tinha esquecido, por há muito não as ver. Havia também uma multidão de gente desconhecida. Destaca-se a figura de um homem com boa presença que lhe lançou um olhar fulminante. Quase sem saber como, viu-se numa relação íntima, intensa. A D. Lulu agarrada a uma das almofadas maiores do sofá, estava numa pose nunca vista e gemia…gemia, próxima do êxtase!
A vizinha, aflita, toca-lhe várias vezes no braço:
– D. Lulu!... D. Lulu!... D. Luluuu!... Oh D. Luluuuuuu!... A senhora está bem? Está bem? Ai valha-me Nossa Senhora… como ela está agarrada à almofada… se fosse o gato esganava-o! Acorde que está ter pesadelos! Olhe a sua coluna… que dá cabo dela! Ponha-se direita que eu vou fazer-lhe um chazinho! Ande lá que tem que tomar agora o seu comprimido para logo à noite dormir bem! Quem é amiga, quem é?


© Jorge Nuno (2012)

03/07/2012

Retrato e Poesia a Preto e Branco

RETRATO E POESIA A PRETO E BRANCO

Há quem diga que para fazer um bom retrato…
Basta o preto e branco.
Acredito!
Do mesmo modo, para fazer um bom poema…
Basta uma folha branca e um lápis de carvão!

Bragança, 3 de julho de 2012
Jorge Nuno


Curriculum Vitae para o Lixo


CURRICULUM VITAE PARA O LIXO

Em jeito de trabalho, cedo demais experimentou:
Adolescente, em crescimento,
Retirou areia do rio (onde tantas vezes se banhou)
E fez blocos de cimento;
Ajudou nas lides da agricultura,
Na apanha do arroz, do milho e nas vindimas;
Tocou sozinho acordeão, em terreiros que animou,
E em grupo, em atrelados de trator,
Festejou, em terra batida, com suor
E pó pela cintura, em tom brejeiro,
O fim da cultura do tomate
Ou qualquer santo padroeiro;
Fez incursões pelo folclore e música popular;
Ainda em grupo, em palcos mais seletos,
Levou às vilas e cidades música de vanguarda,
Alguma proibida em tempos de escuridão, obsoletos;
Fortaleceu os músculos e fez-se atleta,
Jogou voleibol e futebol, para o bem e para o mal;
Fez teatro, desenhou, escreveu poesia e foi jogral;
Cedo se fez homem, cedo cresceu.
Trabalhou como operário na reparação naval,
Com subida firme, a pulso, em silêncio sofreu.
Como estudante-trabalhador,
Frequentou Engenharia, acabou e exerceu.
Em navios, foi responsável das reparações,
Em hipermercados, foi responsável das construções.
Veio o ensino, como que por encanto.
Adorou e tudo o resto, como que por encanto, abandonou.
Sempre se viu um homem tenaz,
De convicções, justo, lúcido e cortês.
Procurando fazer o que é socialmente útil,
E pessoalmente o satisfaz,
Criou Núcleos de Filatelia Juvenis e Clubes de Xadrez,
Promoveu eventos culturais,
A pensar em homens de amanhã mais cultos.
Veio a formação, e foi um espanto.
Havia liberdade criativa, paixão pelo trabalho,
Alegria, gratificante, no contacto humano.
A Educação e Formação de Adultos
Tornou-se prioritária, sem engano!
Como estudante-trabalhador,
Cursou Gestão de Informação.
Acabou, exerceu, sem descanso e motivado.
Foi responsável de Centros Escolares de Informática
Foi autor de software para a Educação,
Foi responsável do Sistema de Informação
Num recém-criado organismo do Estado.
Esteve na génese de novos cursos,
Foi autor de manuais de formação,
Fez programas curriculares.
Como estudante-trabalhador,
Concluiu um Mestrado em Gestão.
Em coautoria, fez estudos sociais e de mercado.
Trabalhou em Observatório(s) da Qualidade, na educação.
Com outros horizontes, esteve do lado da inovação.
Deu passos largos no E-Learning,
Nas comunicações e aprendizagem a distância.
Foi professor multidisciplinar, com muito agrado,
No ensino oficial e na Universidade Sénior.
Monitorizou dezenas de módulos de áreas distintas:
Relações Humanas e Liderança, Relações Interpessoais,
Competências em TIC, Literacia Tecnológica,
Informática, Formação Pessoal e Sociocultural,
Formação Ética e Deontológica,
Atendimento, Higiene e Segurança e tantas mais!...
Partilhou com entusiasmo, em rede, as suas vivências.
Participou em “milhentos” Seminários, Fóruns,
Colóquios, Debates, Workshops, Conferências…
Ao mais alto nível e procurando firmeza na abordagem…
Foi membro em múltiplos Grupos de Trabalho,
Em Equipas de Pilotagem,
 Em Comissões de Acompanhamento,
Em Grupos Coordenadores…
E em tudo que lhe trouxesse contentamento.
Com a aposentação e o curriculum que se vê…
Ainda deu passos para se manter na Formação.
Puro engano, já se antevê!...

Lembra-se o poeta Cesário, em “Contrariedades”
E o verde sentimento de “raivas frias”,
Ao ver rejeitados num jornal (de todos os dias),
Um vasto "folhetim de versos".
Perante tamanhas maldades,
Em protesto, terá feito asneira…
E diz ter queimado em "imensa fogueira,
Muitíssimos papéis inéditos" dispersos!

Também este profissional,
 Incrédulo, mas sem as “raivas frias”
E já refeito da irónica piada anormal
Da não-aceitação como formador,
Acaba de atirar o Curriculum Vitae para o lixo (!)
E dá graças aos céus, com fervor,
Longe de se colocar num crucifixo…
Ou de se atirar ao estúpido do empregador!

O profissional pode ter sido atirado para o lixo,
Mas fica o Homem!
Fica o caráter, a personalidade…
A sensibilidade, a lucidez, a emotividade ativa,
A capacidade criativa e de inovar, sem rivalizar,
A largueza do campo de consciência, a clarividência,
O lado sociável, os afetos e a estabilidade afetiva,
 A sinceridade, a generosidade e a independência…
Com aprendizagem formada e bem guardada
Ao longo de uma vida feita de lutas, dura, suada
(Estranhamente condensada em quatro páginas A4,
Número máximo exigido na elaboração de um Curriculum…).
O que resta, nesta fase da vida, é uma imensidão…
Inesgotável fonte de inspiração,
É um bálsamo para a alma e rastilho que atiça a chama!
Este Homem nunca deixou de sonhar e amar…
Chegou a hora de saborear o aconchego do lar,
A pintura, a poesia... tudo isto e quem tanto ama!

Bragança, 02 de julho de 2012
Jorge Nuno

01/07/2012

O Reparador Beijo Invisível


O REPARADOR BEIJO INVISÍVEL

Um planeta em expiação…
Espera demorada para se redimir.
Ambiências conturbadas,
Eternas lutas intestinas,
Por coisas grandes e pequenas.
Muita gente à deriva…
Num contágio virulento.
Mais do que a fome do pão nosso
Que devia ser de todos os dias...
Parece haver fome de alimento espiritual,
Fome de orientação espiritual!
Como quem neste inferno,
Com ou sem esperança, procura um “sinal”!
Vou ao encontro desse “sinal”,
Em silêncio, invoco proteção divina
(A que consola os enfermos, os moribundos…)
E inspiro-me e ajo pelo pensamento.
Acabei de receber um beijo invisível,
Da centelha divina que há em mim,
Dado à velocidade da luz!
Tranquilo, escrevo mais um poema,
Daqueles que eu próprio lerei
Para absorver o conteúdo
E prolongar a eufórica sensação de paz,
Neste planeta em expiação.

Bragança, 1 de julho de 2012
Jorge Nuno